É possível experienciar níveis elevados de bem-estar apesar de enfrentarmos significativos desafios psicológicos?

 

Uma recente revisão sistemática conduzida por Eunice Magalhães do Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) explorou a saúde mental a partir da relação entre bem-estar e psicopatologia. Os resultados sublinham a importância de considerar as dimensões positivas e negativas da saúde mental na investigação e na prática clínica.

Eunice Magalhães, autora do estudo, explica que, nas últimas duas décadas, a saúde mental tem sido conceptualizada como incluindo duas dimensões inter-relacionadas, mas distintas – psicopatologia e bem-estar. Esta abordagem de duplo fator contradiz uma visão tradicional da saúde mental como sendo unidimensional e envolvendo a simples ausência de psicopatologia. “A investigação tem demonstrado que as pessoas podem ter resultados positivos em termos de saúde mental e reduzida psicopatologia, mas não é impossível obter níveis elevados de bem-estar e também de psicopatologia”, esclarece a investigadora. Com o objetivo de sistematizar as evidências ancoradas nesta abordagem da saúde mental de duplo fator, Eunice Magalhães realizou a revisão de um total de 85 estudos empíricos, tendo como participantes crianças, adolescentes e adultos.

Como o modelo de duplo fator oferece uma compreensão mais abrangente da saúde mental, é possível classificar quatro perfis de saúde mental baseados na intersecção do bem-estar e da psicopatologia. Estes perfis foram claramente identificados na literatura revista: “Saúde Mental Positiva” (elevado bem-estar e baixa psicopatologia), “Sintomático, mas com bem-estar” (elevado bem-estar e psicopatologia), “Vulnerável” (baixo bem-estar e psicopatologia) e “Problemático” (baixo bem-estar e alta psicopatologia). A maioria dos estudos analisados mostrou que o perfil “Saúde Mental Positiva” é o que apresenta maior prevalência, e os dados longitudinais sugerem que a maioria dos participantes (cerca de 50%-64%) tende a permanecer no mesmo perfil ao longo do tempo. Especificamente, os resultados sugerem que os indivíduos podem experienciar níveis elevados de bem-estar apesar de enfrentarem desafios psicológicos significativos, e também que as pessoas que não apresentam psicopatologia significativa não apresentam necessariamente uma saúde mental positiva. Esta constatação sublinha que as intervenções psicológicas devem ir além de uma perspetiva tradicional de redução dos sintomas.

No que diz respeito aos fatores associados a estes perfis de saúde mental, os estudos revistos neste artigo concentram-se principalmente em resultados relacionados com o contexto escolar, seguidos por relações de suporte, caraterísticas sociodemográficas, recursos psicológicos, atributos individuais, saúde física e eventos estressantes. Eunice Magalhães apela à necessidade de mais investigação que considere as variáveis individuais e englobe populações diversificadas, particularmente aquelas em risco devido a trauma ou violência.

As implicações desta revisão podem informar a prática clínica, mas também as políticas relacionadas com a promoção da saúde mental. Torna-se evidente a necessidade de uma mudança de foco da abordagem exclusiva da psicopatologia para a promoção do bem-estar, para que as intervenções possam ser mais eficazes na melhoria da saúde mental em geral. A autora defende o desenvolvimento de programas psicossociais que respondam às necessidades específicas de diferentes perfis de saúde mental, promovendo, em última análise, a resiliência e a adaptação positiva. “Reconhecendo a interação entre o bem-estar e a psicopatologia, podemos criar intervenções mais eficazes que apoiem as pessoas na obtenção de melhores resultados em termos de saúde mental”, conclui Eunice Magalhães.

 

Pedro Simão Mendes

Comunicação de Ciência (CIS-Iscte)

 

Literatura: Excerto do conto “Sete jalecos” do livro “Às voltas” de José Côrte

 

Meados de outubro. Francisco, Adão e José. Nove, onze e treze anos, respetivamente. Desciam com cuidado a ribanceira escorregadia coberta de folhagens secas – chovera ontem – do nogueiral do senhor João Caneca, padrinho de José, que dera autorização para ajuntar umas cascas de nozes da apanha nos dias anteriores. Levavam, cada um, uma saca. A orientação do pai fora, antes de partir para o norte trabalhar, encher uma saca bem cheia de cascas de nozes. Precisava delas, não sabiam para o quê, assuntos do pai.

– Para quê tanta casca de nozes? – perguntou Francisco.

– Sei lá – respondeu Adão.

– Para a cabra do tio José – disse José em tom jocoso.

– Cabra?! Só se for para lhe pintar os dentes de preto! – deu Adão continuidade à jocosidade do irmão. E riram-se os três às gargalhadas.

Tinham a manhã para cumprir o mandado e por isso combinaram gerir bem o tempo. Ajuntá-las rapidamente para terem tempo de brincar umas escondidas no nogueiral. E assim foi. Em pouco mais de meia hora cada um ajuntou uma parte. Encheram uma saca bem cheia para confirmarem a quantidade pedida pelo pai e voltaram a redistribuir pelas três sacas. Francisco reclamou:

– Sou o mais pequeno, tenho de levar menos!

– E levas! – retorquiu Adão.

– Como levo? – duvidou Francisco.

– A tua saca é mais pequena do que a nossa, por isso pensas que levas mais – explicou José o engano de perceção do irmão mais moço. Francisco não se convenceu, olhou, voltou a olhar, pesou com os olhos as três sacas. Quando se aproximou dos irmãos para comparar o peso, Francisco levou um leve carrolaço de aviso pela mão pesada de Adão:

– Na minha saca não mexes – disse Adão, apontando-lhe o dedo indicador.

– Na minha também não – disse José, apontando-lhe um outro indicador. E riram-se os manos mais velhos.

            Francisco não gostou das risadas, não se intimidou e ripostou com outro carrolaço no ar, pois Adão desviou-se a tempo. José, antevendo um desaguisado entre eles, iniciado com o carrolaço afetuoso de Adão, que Francisco não compreendeu, procurou acalmar os ânimos, os de Francisco principalmente. João Caneca, ao longe, no cimo da encosta, observava-os com atenção. Estava a achar graça ao desentendimento entre os irmãos. Veio-lhe à memória os seus insignificantes conflitos de infância com os seus irmãos mais velhos. Tirou o palito da boca, encheu os pulmões, e com um ar sério para não perder a autoridade, disse bem alto:

– O vosso pai não vai gostar de saber do que estou vendo!

Remédio santo. Acalmaram logo os exaltados ânimos.

            João Caneca vendo a fervura a extinguir-se, com a foice presa ao jaleco no ombro esquerdo e a enxada no ombro direito, deu meia volta e foi-se embora.

– Se ficamos aqui a teimar, ficamos com pouco tempo para brincar – lembrou José.

Assim foi, acabaram a zanga e brincaram às escondidas no nogueiral e outras brincadeiras pelo caminho de volta. (…) “

José Côrte

 

José Bernardino Gonçalves da Côrte é professor de artes visuais desde o ano letivo de 1990/91. Nasce na Ilha de Aruba a 13 de Abril de 1967, de onde parte para a Venezuela aos 5 anos. Chega à Ilha da Madeira aos 13 anos. Frequenta o ensino básico no concelho onde vive, Ribeira Brava, prosseguindo, o ensino secundário no Funchal, na Escola Secundária Francisco Franco. No ano letivo de 1990/1991, ingressa no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) onde conclui a licenciatura em Design/Projetação Gráfica. Nesta instituição participou, na sua galeria e como aluno, em várias exposições coletivas. Em 2017 lança a obra Maltrapilho de Natal e em 2022 a obra Às voltas, ambas constituídas por contos.

 

ENTREVISTA ATLETISMO  Olímpico Vianense contrata Ussumani Djumo um dos cinco melhores barreiristas portugueses em atividade”

 

 

Atual campeão nacional de clubes de atletismo ao ar livre da segunda divisão masculino, o jovem algarvio de Armação de Pêra, Ussumani Djumo, atual campeão nacional de clubes de atletismo ao ar livre da segunda divisão masculino é um dos melhores barreiristas portugueses em atividade, com a marca de 14.39 segundos nos 110 metros barreiras. Usummani Djumo, o atleta Sub-23 luso-guineense, nascido no ano de 2001, é campeão nacional de clubes de atletismo ao ar livre da segunda divisão masculino.

Fernando Alves, presidente do clube de Atletismo Olímpico Vianense, afirmou que “O Olímpico Vianense ambiciona chegar ainda mais longe na próxima época. A contratação do atleta Ussumani Djumo vai permitir-nos fortalecer a nossa equipa, mas ao mesmo tempo irá garantir condições ao atleta que lhe permitam continuar a prestigiar a região e o país com o seu alto nível de rendimento rumo ao seu objetivo de ir aos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 2028”.

“O nosso clube tem uma história longa de títulos e troféus alcançados por uma grande família de atletas e queremos que o Ussumani faça parte dela, trazendo ainda mais vitórias e bons resultados para o Olímpico Vianense”.

O Vianense continua assim o processo de fortalecimento da sua equipa para esta época.

“Estou muito feliz por terem apostado em mim para este novo projeto desportivo”, assumiu o atleta. “Ao mudar-me agora para o Vianense, espero dar o meu contributo para a equipa e em conjunto com os meus colegas continuar a elevar o nome deste incrível clube” disse o atleta após assinar o acordo com o Olímpico Vianense.

O atleta de Armação de Pêra, Silves, Ussumani Djumo, já conta com diversos palmarés: além de ter sido campeão nacional de clubes na sua divisão na época passada, foi ainda 4º Lugar no Campeonato de Portugal nos 110 metros barreiras este ano de 2024, e foi também 7º Lugar nos Campeonatos de Portugal em 110 metros barreiras em 2023.

Além disso, entre 2020 e 2023 enquanto representou o clube Associação Académica da Bela Vista (AABV) no Algarve, onde iniciou o seu percurso no atletismo, obteve 15 títulos de campeão regional.

Segue-se uma entrevista com o atleta Ussumani Djumo:

1_ Como começou a sua carreira no atletismo?

A minha carreira começou no atletismo em 2018, foi a primeira vez que fui fazer atletismo, comecei pelo salto em altura e só comecei porque um amigo meu, o Ari Borges viu-me a correr e disse se eu não gostava de fazer atletismo, que eu tinha uma boa corrida e eu disse “Eu não me importo”, mas de momento estava a fazer ginástica acrobática e ginástica acrobática era aquilo que queria levar para a minha vida. Nunca pensei que ia sair, mas pronto fui experimentar o atletismo em 2018. Em 2019 eles chamaram-me para participar no apuramento de clubes para fazer em salto em altura e triplo salto. O salto em altura correu muito bem, mas o triplo salto não correu tão bem, eu não sabia como se fazia nem nada. Mas foi interessante sentir-me bom, não era algo a que estivesse habituado, sempre me habituei a fazer provas coletivas, competições coletivas e torneios e ali era uma prova individual em que eu tinha de fazer salto em altura. Correu bem. Mas no próximo ano sai do atletismo por causa da ginástica, mas depois deixei de poder ir por causa dos transportes e etc. Entretanto, a Associação Académica da Bela Vista, voltou a comunicar-me se eu não queria continuar. Em 2020 foi quando comecei a fazer atletismo mais a sério, a treinar todos os dias e tudo o mais.

2_ É considerado um dos cinco maiores barreiristas portugueses em atividade. Como é que isso o faz sentir e que obstáculos tem enfrentado até aqui?

É uma sensação de felicidade, de gratidão, saber que sou um dos melhores barreiristas de Portugal sendo que comecei a fazer barreiras do nada. Já tinha facilidade por causa da ginástica acrobática, mas nunca tinha pensado que iam ser as barreiras, pensei que ia ser um dos melhores ginastas do mundo, por exemplo, ou no atletismo que ia ser saltador e afinal sou barreirista. É uma sensação ótima, de grande superação, pois comecei com muito baixo nível e ao fim de quatro anos consegui estar no topo dos melhores de Portugal. Por tudo o que passei, os altos e baixos que tive, as condições que tinha e os treinos eram tão poucos, sinto-me mesmo muito contente por finalmente estar a ir num bom caminho. Entretanto, vim cá para cima para o Norte e desde que aqui estou tem sido uma aventura tremenda.

 

 3_ O que espera alcançar, na sua modalidade, no futuro?

Como atleta, o meu grande sonho é conseguir ir aos Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles. Iria sentir-me realmente realizado, seria uma conquista de uma vida. Desde pequenino que quis ir aos Jogos Olímpicos, mas pensava em ir como ginasta. A vida dá voltas e nós vamos fazendo novas decisões ou tendo novos sonhos e o meu sonho é então ir ao Jogos Olímpicos desta vez a fazer 110 metros barreiras. Se tudo correr bem em 2028 estarei lá.

 

Paula Gouveia

Maria João Barros “Tudo é um convite para olhar mais profundamente para nós”

 

A trabalhar constantemente no desenvolvimento pessoal e humano, Maria João Barros desvenda-nos um pouco do seu processo ao responder-nos às questões abaixo:

1_ Maria João, se tivesse de definir o que faz e a realização que sente com a sua versatilidade, o que diria?

Tenho sempre alguma dificuldade em definir o que faço. Sem dúvida que em tudo o que faço, a visão sistémica está sempre presente. Assim sendo, o que faço permite que as pessoas vejam mais além do óbvio e entendam com mais profundidade a origem, as razões dos seus bloqueios e padrões repetitivos, de uma forma íntegra, humana e transparente.

Sinto-me profundamente realizada por trabalhar com a chamada “terapia do amor” porque de facto é exatamente isso que acontece. O fluxo do amor é restabelecido onde foi perdido e isso é maravilhoso!

2_ Trabalhar com crianças, que são o nosso futuro, permitiu-lhe ver o mundo de forma diferente?

Permitiu-me principalmente ver como o trabalho deve ser feito primeiro com os adultos. Só assim, as crianças poderão ser verdadeiramente crianças em toda a sua essência.

3_ Em que medida o serviço que presta de constelações familiares pode trazer de descoberta e clareza aos seus clientes?

 Acho que respondi a esta questão na primeira pergunta.

4_ Como devemos fazer para nos mantermos em estreito contacto com a nossa criança interior?

Para nos mantermos em contacto com a nossa criança interior, de forma saudável, é imperativo que ela seja integrada. Para isso é necessário conhecer as suas dores, os seus traumas, as suas vivências, integrá-las e conseguir que a criança confie no seu adulto para que seja guiada. Isso requer trabalho aprofundado de autoconhecimento, compromisso e dedicação. Apenas dessa forma é possível restabelecer o contacto saudável e mantê-lo.

5) Acredita que o que nos está destinado acaba por vir até nós?

Acredito que muito daquilo que queremos não é o que precisamos. Por essa razão, sim, tudo o que é importante para o nosso crescimento e evolução vem até nós. No entanto, dependendo das decisões que tomamos, vivemos mais a vida em dor ou em amor. Tudo passa pelas nossas escolhas. A verdade que precisa de ser dita é que muitas das nossas escolhas são inconscientes e mediante o que nos acontece, “tudo” é um convite para olhar mais profundamente para nós.

 

Pode adquirir mais informações sobre a Maria João (eventos, recursos, serviços, etc) no seu site oficial: https://mariajoaobarros.com/

 

Paula Gouveia

Ansiedade e depressão

Foto de Joice Kelly na Unsplash

 

Serão as duas faces da mesma moeda? Não posso falar como especialista em saúde mental, que não sou, mas às vezes sim. A ansiedade manifesta-se de diversas formas: numa agitação interior sem explicação que nos faz evitar tomar certas ações. A única maneira de melhorarmos é vermos através da ansiedade, ou seja, identificar os seus sinais e reconhecer o que nos pode estar a tentar dizer: ao nosso corpo, à nossa alma, a todo o nosso ser.

Se estamos constantemente a adiar atividades porque pomos em causa a nossa funcionalidade e temos medo de ficar ansiosos, aos poucos vamos desanimando e perdendo o prazer pela vida. Nada é mais desafiante e o que é, nós protelamos porque não nos sentimos à altura.

Não podemos comparar o sofrimento entre si. Sabemos que há a depressão unipolar (a mais comum), a da doença bipolar (que alterna entre fases de mania e depressão), que há respostas ao choque, ao luto, à solidão, ao viver com parcos recursos. A saúde mental é um tema demasiado importante para não ser debatido e analisado com mais cuidado.

Estes conceitos podem parecer distantes a quem não convive com eles numa base diária, mas infelizmente cada vez mais pessoas experimentam problemas de ordem psíquica. Não podemos deixar de pedir ajuda por medo de sermos rotulados. Não podemos deixar de pedir ajuda porque pensamos que podemos resolver tudo sozinhos. A nossa vida é demasiado grandiosa para isso.

Como sempre estar bem informado é fundamental, bem como procurar quem o possa tratar com empatia e compreensão para que recupere a alegria de viver. Sei que ansiedade não passa com fórmulas ou palavras mágicas, é um processo que pode demorar o seu tempo. Implica frustração por às vezes não conseguirmos fazer as coisas, por nos sentirmos lentos, desligados, desconectados das outras pessoas.

Quando a ansiedade e a depressão (que é mais do que apenas tristeza profunda) se aninharem insidiosamente no seu coração, não espere mais. Existem várias linhas de apoio que o podem ouvir e orientar:

 

SOS VOZ AMIGA

Horário: Diariamente das 15:30 às 00:30
Contacto Telefónico: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660

 

CONVERSA AMIGA

Horário: 15:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 808 237 327 | 210 027 159

VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL

Horário: 16:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 222 030 707

TELEFONE DA AMIZADE

Horário: 16:00 – 23:00
Contacto Telefónico: 222 080 707

VOZ DE APOIO

Horário: 21:00 – 24:00
Contacto Telefónico: 225 506 070
Email: sos@vozdeapoio.pt

 

Paula Gouveia

No meu cantinho

 

Nem sempre nos apetece comunicar com o mundo exterior, só queremos ficar no nosso cantinho a aceitar as cartas que a vida nos joga. A sentir o que sentimos e a saber o que sabemos. A introversão não tem necessariamente de ser uma caraterística negativa e a verdade é que estamos tão bombardeados por estímulos que por vezes o nosso sistema nervoso simplesmente precisa de silêncio para recarregar baterias.

Para um introvertido uma multidão pode ser algo que exalta os sentidos e nos faz sentir desconforto porque a nossa sensibilidade dispara para todos os lados sem encontrar um foco. Há dias em que eventualmente temos de sair, de nos expressar, de fazer as nossas necessidades serem atendidas.

Mas, também há dias em que podemos simplesmente ficar na cama, dormir até mais tarde, comer algo que gostamos, ler um livro ou escrever no nosso diário as nossas emoções e pensamentos. Ficar no nosso espaço seguro, no nosso cantinho.

Para um introvertido são momentos de regeneração sem ser interrompido, em que pode recalibrar as suas energias, autorregular-se e recuperar o equilíbrio. A vida não pode ser só trabalho e tarefas desgastantes, temos de aprender a escutar o nosso corpo e deixá-lo guiar-nos e dizer o que devemos fazer.

Há alturas em que queremos ficar sós porque há sentimentos que temos evitado e com os quais temos de lidar inevitavelmente. Chorar pode ser uma boa purga de sensações como angústia, desespero e tristeza, assim como tentar elaborar o que estamos a passar num desenho, num poema, numa frase.

A expressão criativa pode fazer maravilhas para fazer-nos sentir que tirámos um peso de cima e que se deu um processo de alquimia em que emoções muito negativas foram libertas e agora sentimos até alguma alegria e esperança. Permita-se abrandar e verá que as coisas estarão muito melhor do outro lado da dor.

 

Paula Gouveia

As doenças invisíveis

O mundo avança uma velocidade estonteante e muitas vezes sentimos que não se compadece com as doenças. Nem com as chamadas visíveis, como uma pessoa que use cadeira de rodas para se deslocar ou as foro psíquico. De facto, às vezes chego à conclusão que o mundo não está mesmo construído para quem tenha qualquer tipo de limitação. Os primeiros porque não têm a acessibilidade que gostariam e são confrontados diariamente com comportamentos capacitistas. Os segundos, porque apesar de todo o avanço nas Neurociências ainda é tabu dizer-se que se sofre de uma doença mental, pelo desconhecimento da sociedade, por medo de ser visto como inferior ou de sofrer represálias.

Todas as experiências fazem de nós aquilo que somos, seja moldados pelo sofrimento ou elevados pelas alegrias. Enquanto doente bipolar também a sofrer de ansiedade e ocasionalmente ataques de pânico, sei o que é ficar sem conseguir respirar como deve ser e pensar que estamos a viver o último segundo das nossas vidas. Perder o controlo completamente porque se deu a algo uma magnitude que este não possui. Há uma componente biológica, da genética (que diz respeito à medicação receitada pelo médico psiquiatra)  nas doenças invisíveis e outra, a que diz reporta o lado psicológico, que pode ser tratada em Psicoterapia, por exemplo.

Há cinco traços de personalidade consideradas gerais: abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo. Estas caraterísticas não estanques e rígidas. Eu, pessoalmente sinto que tenho um bocadinho de todas, mas talvez nos últimos dois anos tenha pendido mais para o neuroticismo (preocupação excessiva com as coisas, com eventos que ainda não aconteceram nem tenho a certeza se vão acontecer, pensamento catastrófico e de tudo ou nada também). A abertura tem a ver com a nossa curiosidade natural de apreender estímulos novos, a conscienciosidade pode estar relacionada com responsabilidade, a agradabilidade pela necessidade de ser aprovada pelos outros e o neuroticismo com uma vida interior mais caótica e instável.

Quando a vida se transforma num emaranhado de emoções, pensamentos e sentimentos que não conseguimos ordenar nem fazer sentido, procurar ajuda externa pode ser muito importante. Para que o medo deixe de nos parecer monstros gigantes e até possíveis sintomas psicossomáticos possam desaparecer, aos poucos, com o tempo. O fundamental é ter paciência e confiança no processo. Ter autocompaixão e gentileza são essenciais para tornar tudo mais agradável e construtivo.

É possível viver uma vida equilibrada e de qualidade mesmo tendo uma doença mental, desde que se adira ao devido tratamento e terapêutica. Os dias sem esperança são uma fase que acabará por passar porque na vida tudo se renova e temos sempre a possibilidade de mudar aquilo que não gostamos em nós e a forma como reagimos às situações, àquilo que nos acontece. Em vez de termos uma visão centrada no problema, temos de desenvolver uma visão focada em soluções porque tudo acaba invariavelmente por se resolver, de uma maneira ou de outra.

Importa refletir nas palavras de Buda “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional”. Temos a capacidade de buscar alguém que nos acompanhe nessa jornada de compreensão, de crescimento e de evolução.

 

Paula Gouveia

 

Workshop DESPHOCO Fotografia e Bem-estar

Esperamos que a fotografia nos responda a questões existenciais como ‘Quem sou eu?’ ou ‘O que faço aqui?’
é depositamos na fotografia expectativas que serão, seguramente, defraudadas.
Porém, um questionamento mais focado abre espaço para que uma imagem-espelho nos revele algo que,
sem realidade fotográfica, teríamos maior dificuldade em identificar ou reconhecer.
No mês de junho lançamos é facilitado o primeiro workshop
em AUTO-RETRATO E FOTOGRAFIA TERAPÊUTICA de Sofia Silva, da  TIRA-OLHOS Associação de Fotografia Experimental,
Neste workshop os participantes vão ter a oportunidade de explorar a imagem-espelho na (re)significação da identidade.
Nesta oficina, os/as participantes serão convidados/as a desenvolver
um trabalho focado na autorrepresentação como ferramenta terapêutica.
Na primeira sessão vão abordar-se várias abordagens metodológicas possíveis e realizar-se exercícios técnicos
que capacitarão os/as participantes com as ferramentas necessárias para realizar o trabalho.
Entre a 1ª e a 2º sessões, os/as participantes trabalharão o confronto com a autorrepresentação.
Na 2ª sessão serão vistos os resultados e feita uma análise dos mesmos.
As sessões (num total de 10 horas) serão espaçadas pelo intervalo de 1 semana, e acontecerão no seguinte horário:
– 15 de Junho, das 10h00m às13h00m e das 14h30m às 17h30m;
– 22 de Junho das 14h00m às 18h00m
Local: Silas Contentor Criativo de Caldas da Rainha
O valor da participação é de 80€ (com iva) e inclui fatura, certificado de participação e coffee-breaks.

Em julho, há outra novidade !
Rita Machado, licenciada em Psicologia Clínica, mestre em Arte-Terapia (Barcelona)
e com experiência profissional em mediação artística e cultural,
é a fundadora da Plataforma AMPLITUDE!
Em julho de 2024, vai trazer um workshop sobre o aliar da arte à saúde,
em prol do bem estar, qualidade de vida em contextos de doença
e de um envelhecimento construtivo e de contínuo crescimento pessoal.
“ampli.AR” pretende proporcionar uma experiência de reflexão
sobre o que entendemos como saúde e qual o papel dos processos criativos e imaginativos
na construção de espaços de transformação pessoal e relacional,
por uma melhor qualidade de vida e da humanização dos cuidados.
Irá acontecer dia 6 de julho (sábado) também em Caldas da Rainha.
O preço (40€, iva incluído) inclui recibo, certificado e coffee break!
As vagas, como habitual, são limitadas para se garantirem as melhores condições possíveis.
A inscrição para os eventos é feita por email.

 

Livro “Ansiedade na primeira pessoa” de Andreia Salvado

 

Começo por dizer que a Andreia Salvado, nascida em Sintra em 1981, é de enorme coragem ao partilhar a sua história de saúde mental com o mundo e mais pessoas deveriam seguir o seu exemplo para desmitificar informações e crenças erradas neste quesito.

A odisseia de Andreia começa aos 29 anos, num processo  de mudança de casa que a fez sentir sozinha e em descontrolo emocional. A isto somam-se as deslocações exaustivas para o trabalho de Lisboa para Sines. Andreia, formada em Engenharia do Ambiente, uma pessoa sempre perfeccionista, aplicada, disciplinada e que gostava de superar todas as expetativas, vê-se envolvida numa ansiedade paralisante. Para quem nunca sofreu deste problema, a ansiedade generalizada, como passou a acometer a Andreia, pode traduzir-se em dificuldades respiratórias, batimentos cardíacos muito acelerados (como se o coração fosse saltar do peito ou fôssemos ter um ataque cardíaco), um profundo mal-estar e tremores ou suor nas mãos. No caso da Andreia, também tinha os pensamentos a mil à hora, como se costuma dizer, e começou a sofrer de insónias persistentes. Como efeito colateral deste problema adormeceu ao volante e teve um acidente de viação que por sorte não lhe trouxe sequelas físicas graves mas que desencadeou um ataque de pânico enorme.

Para quem nunca teve um ataque de pânico, este é uma ampliação a 100% da ansiedade, em que o organismo se comporta como se estivesse em perigo de vida e causa desorientação, descontrolo e um medo gigantesco, como tão bem descreve a Andreia.

Andreia procurou quase de imediato ajuda especializada. Quando se fala em recorrer a profissionais de saúde no campo mental,  o auxílio pode vir na forma de um psiquiatra que nos receita medicação e/ou de um psicólogo com quem podemos fazer psicoterapia e conhecer melhor os nossos gatilhos e, no fundo, aprender quem somos e o que nos move na vida.

Andreia aceitou a ansiedade como parte de si e decidiu não fazer dela “um bicho de sete cabeças”. Tendo por base que o bem-estar se constrói de dentro para fora  e que a chuva na vida de uma planta significa crescimento e fortalecimento, Andreia muniu-se de todas as ferramentas para continuar a ser funcional, a ter uma vida normal e a sentir-se bem na sua pele. Continuou a trabalhar, a conduzir, foi mãe e seguindo a sua paixão pelas viagens, mudou-se para o México, onde foi testemunha de vários sismos. Tudo isto feitos notáveis que refletem a força de vontade da Andreia mas também a sua busca por conhecimento e pelo controlo dos seus sintomas. O yoga trouxe-lhe mais tranquilidade de espírito bem como a prática de mindfulness (atenção plena e saber estar no momento presente).

Também fala da técnica RAIN (PAIN em português):

P_ Preste atenção à experiência presente com curiosidade e gentileza

A_ Aceite a experiência e permita que ela seja exatamente como é

I_ Investigue com curiosidade as sensações físicas, emoções e pensamentos presentes

N_ Não se identifique com a dor. Pare todo o questionamento mental e perceba que é um processo natural

A história da Andreia, partilhada neste livro, “Ansiedade na primeira pessoa”, com tanta generosidade, deixa-nos uma mensagem de esperança. Podemos estar a passar por muitos sofrimentos e problemas, mas mesmo que tenhamos uma condição sem cura à vista, é possível encontrar soluções, sanar feridas e ser pró-ativo na procura de informações pela nossa saúde e a dos nossos.

 

Paula Gouveia

 

 

Recensão “A última duquesa” de Pedro Paixão


A obra “A última duquesa” de Pedro Paixão é um verdadeiro manjar literário. Escrito de forma não exatamente linear, é um belíssimo livro, com um conteúdo que prima pela qualidade do pensamento e excelência das ideias.

As personagens femininas são marcadamente fortes como Vera, Raquel ou a Duquesa.

Este é um livro para os sentidos e para as emoções, sobre a nobreza de caráter e a sensibilidade que nos permite sentir tudo com extrema intensidade. Os factos históricos, filosóficos e sociais fazem-nos perceber que a Arte escapa a definições, não é algo que se possa simplesmente ensinar mas que pode sempre ser transformada.

Fiquei especialmente impressionada com a definição de mania de Platão, a designação antigamente dada à doença bipolar, que me acomete. Ele considerava que era o preço a pagar pela inspiração divina, pelo dialogar com as Musas. Poder pensar de forma positiva sobre a minha condição foi outra das benesses deste livro pois fez-me ver que tudo de bom na vida implica uma troca, um sacrifício (termo que na sua origem etimológica mais antiga significava justamente tornar sagrado).

A nível literário, Pedro Paixão continua a ser um escritor envolvente, que nos leva para o seu mundo narrativo e só nos liberta no final. Este livro, da entretanto encerrada Editora Licorne, merece ser lido por mais pessoas porque impacta a forma como pensamos sobre as paixões, sobre a saúde mental, sobre a existência humana. É daqueles livros que têm potencialmente o condão de abrir mentes e mudar vidas.

 

Paula Gouveia