Perder alguém

Fazer o luto de alguém que amamos muito pode vir acompanhado de outras patologias mentais como depressão e stress pós traumático. Podemos ter uma resposta adaptativa e funcional ou aquela de quem não consegue mesmo “ligar os pontos”. Que fecha os olhos e relembra quem costumava ser com essa pessoa e não encontra sentido para aquele desaparecimento físico.

Não devemos achar que estamos a fazer o nosso o luto mal se não estamos a chorar litros de lágrimas e a prosseguir com a nossa vida normal, provavelmente a pessoa que perdemos ia querer exatamente isso: que estejamos alegres (na medida do possível) e tratássemos das nossas responsabilidades quotidianas com leveza no coração.

Tudo é uma lição se escutarmos e estivermos dispostos a aprender e depois, como um pássaro que decide levantar voo, essa pessoa escapa ao nosso alcance , voltando possivelmente ao mundo espiritual que ainda não conhecemos.

É muito doloroso fazer o luto, seja de um animal de estimação de muitos anos ou de uma pessoa querida mas sabemos que o tempo ameniza a dor e se nos mantivermos ocupadas podemos ir aos poucos caminhar com os nossos próprios pés e enfrentar o sofrimento, que é por natureza universal.

Paula Gouveia

 Foto de Kseniia Ilinykh na Unsplash

ANEM lança campanha de angariação de fundos para construção de lar residencial

 

A ANEM (Associação Nacional de Esclerose Múltipla), torna público o início da sua campanha de angariação de fundos para a construção do primeiro lar residencial para pessoas com E.M. (Esclerose Múltipla).

Portugal não tem nenhuma estrutura física que possa acomodar pessoas, em estados mais avançados desta patologia, onde possam ser tratados convenientemente, por terapeutas especializados em Esclerose Múltipla. A construção de uma estrutura de raiz, é um sonho de muitos portadores desta doença e a ANEM considera que é uma necessidade marcante para o país.

A ANEM presta serviços no norte do país, há mais de 25 anos, investindo em terapias convencionais e alternativas, sendo a fisioterapia uma das melhores respostas para tentar reverter ou atenuar os efeitos incapacitantes da esclerose múltipla. Com 3 espaços (2 em Gondomar) e 1 em Gaia, a associação presta apoio a dezenas de pessoas, diariamente.

O lar residencial será construído num terreno, cedido pela câmara municipal de Gaia, em regime de comodato, bem como existem verbas já atribuídas pelo projeto “PARES”. A parte remanescente, no valor de 2 500 000€ (dois milhões e quinhentos mil euros) terá de sair da associação, que justifica assim a criação desta campanha nacional. A campanha está colocada no portal give-me.pt, mas pode ser apoiada também através do portal da ANEM, em anem.life.

O que é a EM:

A Esclerose Múltipla (E.M.) é uma doença crónica, inflamatória, desmielinizante e degenerativa afetando o Sistema Nervoso Central (SNC), atingindo com maior incidência o género feminino e surge mais frequentemente no jovem adulto (entre os 20 e os 40 anos), apesar de nos dias de hoje a E.M. se comece a manifestar em idades mais precoces e/ou mais tardias.

É uma doença autoimune na qual o sistema imunitário não tem capacidade de diferenciar as células do seu próprio corpo de células estranhas a ele, acabando por destruir os seus próprios tecidos. O principal alvo deste “ataque” é a mielina, uma camada de gordura protetora das fibras nervosas que auxilia na transmissão de informação ao longo do corpo humano. Quando ocorre um “surto”, formam-se cicatrizes endurecidas que se agrupam formando as conhecidas “escleroses” ou também denominadas “placas”. São afetadas inúmeras áreas do cérebro e da medula espinal pelo que se denomina esta doença de Esclerose Múltipla.

Tudo acontece na altura certa

Há umas semanas, numa conversa informal com alguém da geração mais nova ouço a frase “Tudo acontece na altura certa”. Sempre ouvi essa frase aplicada ao amor, mas pensei em como se pode aplicar à vida em geral.

Pensava que tinha todas as respostas, que finalmente estava a chegar a qualquer tipo de ordem mas infelizmente depois da morte da minha melhor amiga foi como se todas as cartas se tivessem baralhando, trazendo consigo o terror, a confusão e uma dor profunda.

Será que tudo acontece na altura certa? Mesmo a morte que consideramos mais injusta, mais incompreensível? É como se esta perda se marcasse na carne e se tornasse um divisor de águas.

Acredito que me vou sentir melhor, com a passagem do tempo. Que na altura certa vou conseguir curar as minhas feridas mas sei que ainda não cheguei lá.

Vejo com esperança os jovens de agora que falam mais abertamente sobre como se sentem e sobre a sua saúde mental. É por isso que me bato no ativismo que faço nesta revista digital. Dizem que as peças se encaixam movendo-nos em frente e não olhando para trás. Que seja então.

Paula Gouveia

Conto infantil: Uma história de paz

 

Era uma vez um território onde os conflitos eram a palavra de ordem. Aleph e Ahmed eram crianças de nove anos que tinham sido educadas para se odiarem. A Aleph diziam que descendia do Povo Eleito, que estava a ocupar a terra que era sua por direito e que o seu nome remetia à unicidade de Deus. A Ahmed, menino de tez igualmente morena, que vivia afastado da terra natal dos avós devido à ocupação da Palestina, era-lhe dito que os hebreus tinham roubado o que legitimamente lhe pertencia e que esses infiéis eram infelizmente apoiados por uma nação muito forte chamada Estados Unidos da América.

Todos os dias, Aleph ia buscar água ao poço da sua família, de costas bem direitas e de porte elegante pois estava convencido que merecia todas as boas graças de Deus e que não tinha culpa do seu berço ser alvo de tantas disputas. Por seu turno, Ahmed caminhava cabisbaixo e de costas curvadas, com o peso da tristeza e desânimo, ia buscar também água ao seu poço familiar sentindo-se mentalmente tal qual Sísifo que empreende esforços para rolar uma pedra enorme por uma montanha acima, apenas para a ver rolar encosta abaixo e repetir todo o trabalho ingrato no dia seguinte.

Um dia, as famílias de Aleph e Ahmed confrontaram-se com um grave problema: o poço de ambas tinha secado. Perto das propriedades de Aleph existia um lago, ainda inexplorado, que prometia colheitas muito férteis para a família judia. No entanto, a família de Ahmed também conseguia ver esse lago e julgava ter igualmente pleno direito a ele.

Instalou-se o caos entre as duas famílias, que se insultaram mutuamente e atiraram impropérios de parte a parte. Foi chamado um país conhecido sobejamente pela sua neutralidade para arbitrar aquela delicada situação: a Suíça.

A embaixadora suíça vinda diretamente de Geneve, analisou com toda atenção aquele caso e decidiu enviar uma carta às famílias na esperança de que chegassem a um acordo mutualmente benéfico.

“Eu, Anne-Thérèse Rochelle, declaro que, uma vez que os passos que distam os vossos respetivos domicílios do lago são exatamente os mesmos, devem imaginar um ponto a meio do lago e dividi-lo em partes equidistantes, para que usufruam dele de igual medida. Saudações”.

As famílias não queriam acreditar que uma figura tão importante, vinda da Europa, tinha proposto uma solução tão ineficaz! Como seriam capazes de dividir um lago se nem sequer eram capazes de mirar a propriedade alheia sem sentir uma profunda aversão e repulsa?

Mas, a necessidade de água era mais forte do que qualquer pré-conceito e as temperaturas estivais estavam cada vez mais quentes, num Sol alto que não dava tréguas.

Como tal, alguns dias depois o pequeno Ahmed pegou na sua bicicleta e num alforge e foi buscar água ao lago. Mal ele sabia que do outro lado das águas, Aleph fazia a mesma coisa.

Debruçaram-se para extraírem aquele líquido precioso à vida quando de súbito os dois meninos se viram refletidos nas plácidas águas do lago.

Perceberam que as suas semelhanças eram infinitamente maiores que as suas diferenças, que não passavam de dois meninos morenos inocentes e de alma pura, envolvidos num conflito que nunca tinham entendido realmente. Ao verem a imagem do outro, refletido nas águas claras, sentiram-se um pouco como Narciso, a contemplar admirado o seu próprio reflexo. Eram tão parecidos, não havia motivos nenhuns para lutar! Nisto uma pomba branca cruzou os céus, levando nas patinhas uma folha de oliveira.

_ Shalom, Ahmed!_ gritou Aleph, a sua voz ecoando pelo ar com poderosa ressonância.

_ Salam, Aleph!_ respondeu o menino árabe, por sua vez.

Era o início da paz naquela pequena vilazinha do Médio Oriente. Aleph e Ahmed eram como irmãos desavindos que se tinham finalmente aceite, tal e qual como eram.

As plantas e animais sorriram pela primeira vez em muito tempo. Ainda recordavam as espadas desembainhadas e o derrame de sangue. Podiam finalmente dar frutos e florescer sem medo que os seus sonhos fossem pisados pelos Homens. Estavam finalmente na terra sempre abundante do entendimento e compaixão.

 

Paula Gouveia

Dia Mundial do AVC

A propósito do Dia Mundial do AVC, que se assinalou este domingo, dia 29 de Novembro, queria refletir um pouco sobre esta doença que já me levou pelo menos um ente querido.

A nível mundial ainda existe um atraso significativo entre o início do AVC pediátrico e o seu diagnóstico, devido ao não reconhecimento das manifestações iniciais pela família e profissionais de saúde. É preciso sensibilizar a público em geral para esta condição com grande impacto no desenvolvimento e autonomia das crianças.

Segue em baixo um texto de uma especialista nesta área.

O AVC na idade pediátrica (desde o final do 1º mês de vida até aos 18 anos) tem uma incidência mais  reduzida que no adulto e ocorrem 1.2 a 13 AVCs por cada 100 000 crianças/ adolescentes em cada ano. O AVC pode ocorrer ainda mais precocemente, durante a gravidez ou após o nascimento, sendo mais  frequente no primeiro mês de vida.

Tal como no adulto existem dois tipos de AVC, o isquémico e o hemorrágico. Na idade pediátrica as causas  do AVC isquémico são diferentes do adulto e cerca de metade das crianças têm uma doença já conhecida.  As causas mais frequentes são doenças da parede das artérias devidas a infeções, inflamações, doenças  genéticas ou metabólicas, doenças cardíacas e doenças do sangue (hematológicas) como a doenças de  células falciformes.

A apresentação clínica mais frequente é a hemiparésia (falta de força em metade do corpo), porém pode se apresentar como uma assimetria motora dos membros detetada pelos familiares ou profissionais de  saúde nos primeiros meses de vida. Outras manifestações podem ser crises epiléticas, alterações da  consciência, cefaleia intensa, vómitos, alterações visuais, assimetria facial, desequilíbrio da marcha ou alteração da linguagem. À semelhança do que ocorre nos adultos, perante o aparecimento súbito de  algum dos 3Fs (dificuldade em Falar, alteração na Face ou falta de Força no braço/perna), deve ser  considerada a hipótese de AVC e ao ligar para o 112 é ativada a Via Verde. Desta forma permite-se o  acesso mais rápido a tratamentos em fase aguda que minimizam o sofrimento cerebral e melhoram o  prognóstico. A nível mundial ainda existe um atraso significativo entre o início do AVC pediátrico e o seu  diagnóstico, devido ao não reconhecimento das manifestações iniciais pela família e profissionais de  saúde, e/ou estas serem atribuídas a outras doenças mais frequentes nesta idade (enxaqueca, epilepsia  ou infeções).

As crianças e adolescentes apresentam geralmente uma recuperação melhor e mais rápida devido à  plasticidade cerebral, contudo, a mortalidade pode ocorrer em 10-25%, e as sequelas motoras, cognitivas  (dificuldades de aprendizagem), comportamentais e emocionais estão presentes em 40 a 60% dos  doentes.

Na equipa multidisciplinar que cuida destes doentes, para além da Neurologia, a Reabilitação  desempenha um papel crucial, desde a fase aguda após estabilização clínica até ao tratamento das  sequelas neurológicas que comprometem a vida quotidiana. Os médicos fisiatras, fisioterapeutas,  terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala e psicólogos em conjunto com a criança/adolescente e família  elaboram um plano de reabilitação personalizado face aos défices neurológicos, idade, horário de estudo  e tempo de lazer. Sempre que possível é promovida a capacitação dos pais e cuidadores e como principais  objetivos salienta-se a promoção da autonomia e funcionalidade, para permitir uma vida com qualidade do ponto de vista familiar, académico e social.

Rita Lopes da Silva

Neuropediatra

 

Projeto Modernamente: um projeto que desafia os jovens a viverem as suas emoções

Os nossos jovens sentem-se pressionados para serem eficientes e deixarem as suas emoções
para segundo plano, como se fosse algo inorgânico, não-natural. Isso leva à repressão das
emoções, com consequências mentais e à dificuldade em procurar ajuda (tabu/vergonha/sinal
de fraqueza).
O projeto Modernamente, com parceria oficial da Associação OLHAR, tem a missão de
consciencializar e promover o debate sobre os desafios da era digital, os seus perigos e
benefícios para a construção individual e coletiva do ser humano, em particular dos jovens
adultos. Concomitantemente, desenvolver um equilíbrio de bem-estar, particularmente
mental, aspirando a um envelhecimento ativo.
Pretende-se apoiar e orientar os jovens a recorrer a apoio psicológico, quando sentem
necessidade de ajustar as suas emoções.
Contamos contigo, pois a sociedade de hoje não pode mais estar de costas viradas para a
juventude!

 

Assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental

O objetivo desta revista foi sempre trazer conteúdos de muita qualidade dos meus colaboradores e partilhar a minha jornada relativamente à minha saúde mental.

Escolho deliberadamente hoje não usar o termo doença mental. A doença mental rouba sonhos, a doença mental assusta, a doença mental pode levar a atos de suicídio. Nada disso se passa comigo agora. Apresento um conjunto de sintomas muito próprios, fruto de perdas recentes, mas acredito mais do que nunca que ser sonhadora faz bem e se, sonhar é grátis todos temos direito a fazê-lo. Quanto ao medo, sei que a doença mental o pode evocar com a pessoa a dizer coisas aparentemente sem sentido, totalmente descontrolada a nível de impulsos, organização mental e linguagem verbal. Também já apresentei esta lista sucinta de problemáticas. Quanto ao pensar em acabar com a minha vida, nunca me ocorreu, mesmo nos momentos mais sombrios lembro-me de gostar de viver e ter esperança numa solução de problemas.

Saúde mental implica dizer adeus ao pensamento desestruturado, é mais que o olhar o sol da vida, é olhar para dentro e perceber que a forma como nos mostramos aos outros diz tudo sobre nós e da nossa capacidade de comunicar. Neste ritmo tão agitado em que vivemos no nosso quotidiano, não nos passa pela ideia abrandar. Dizemos que não queremos saber do que os outros pensam de nós mas é uma mentira descarada. Todos queremos ser nutridos, acolhidos, amados.

Tudo o que posso aconselhar aos leitores, é que por mais que estejam feridos, nunca desistam. Não sejam obsessivos, o caminho irá mostrar-se lentamente diante dos vossos pés e se não for por um lado, será por outro e poderão ser igualmente felizes. Pelo menos, tenham essa fé que coisas surpreendentes podem acontecer-vos.

Paula Gouveia

 

Foto de Jacqueline Munguía na Unsplash

Obrigada, Alexandra

 

Neste dia em que a excelente atriz e apresentadora portuguesa Alexandra Lencastre comemora o seu 58º aniversário (26 de Setembro de 1965), recordo uma porção da sua entrevista a Manuel Luís Goucha a que tive oportunidade de assistir.

Alexandra revela-nos que cuida da mãe com Alzheimer, o que deve ser bastante desgastante e que vai contracenar com a filha Margarida na sua próxima novela do canal onde sente pertencer. Revela que a sua cabeça não estava preparada para o corpo que tem agora e da dor que empresta às suas personagens.

Mais interessante do que a dificuldade em envelhecer (que quase todas temos em maior ou menor grau), pareceu-me revelador quando Alexandra diz a certo ponto que às vezes pode ir pela rua e um pensamento negativo surgir e tomar conta dela ou emocionar-se com uma simples pena.

Já a chamaram de sex symbol, de depressiva ou polémica, mas Alexandra consegue vencer qualquer rótulo com a sua grande sensibilidade, talento e inteligência e dar assim esperança aos que vivem rotulados e normalizar situações que nos trazem muita culpa e ansiedade.

Obrigada, Alexandra.

 

“Guarda um pedaço meu em ti”

TÍTULO

Guarda um pedaço meu em ti

SINOPSE

A morte de uma manta de retalhos.

 

Personagens:

Manta de retalhos, cansada, triste, partida.(vários quadrados de varias cores)

Tear- calmo, sábio, carinhoso

Lençol branco- o positivo

Lençol preto- o negativo

( o Tear encontra-se no centro da cama, sentado.

O lençol branco e o lençol preto no lado direito, costas coladas um ao outro num equilíbrio/desequilíbrio corporal. O palco tem só a cadeira do Tear e um candeeiro de chão.)

(Entra manta de retalhos cabisbaixa ate cair ao pés do Tear)

(M. De retalhos suplica ao Tear)

M.R. Guarda-me num cantinho de ti, só um pedaço meu.

(Tear olha para a manta com ar ternurento)

T- Não posso.

M.R- Por favor guarda um pouco de mim, eu estou partida, a desfazer-me. Dei de tudo de mim ao mundo e virei esta manta de retalhos sem lógica. Dói. Não tenho lugar.

Guarda um pedaço meu que funcione, que se encaixe no mundo, que te faça feliz e deita todos os outros fora.

(Estende ao Tear várias linhas de várias cores)

T: E como poderia eu fazer isso? Que parte tua poderia eu guardar? O teu sorriso de manhã como um raio de sol? As tuas lágrimas que caem como chuva em terra seca quando já sugaste toda a dor ao teu redor? O teu pedaço guerreiro? O teu lado criança inconsequente? O teu vai ficar tudo bem mesmo com a casa a arder? As tuas más decisões? A dor que causaste aos outros? A dor que causas-te a ti? O teu mau humor que cai como uma chapada  a quem conta sempre com o teu sorriso? A tua luz? A tua sombra? Como posso eu guardar um bocado de ti em mim?

M.R.- Guarda o bom

T- Qual bom? Como posso guardar o bom sem ter o mau? É o bom mesmo bom? E o mau mesmo mau? Um dia de sol é bom, sempre sol seca o mundo. Um dia de chuva é preciso, sempre chuva e o mundo acaba submerso.

( Lençóis preto/branco reagem, rodam de forma ao lençol branco ficar virado para a Manta Retalhos)

Lençol branco- Eu quero o teu lado bom!! Dá-me o teu sorriso! Dá-me a tua dança, os teus sonhos! Quero viver o mundo assim.

( Lençol preto reage, rodam de forma ao lençol preto ficar a olhar para a manta de retalhos)

Lençol preto- Eu quero a tua dor. Eu quero as lágrimas, quero o sofrimento, quero a tua raiva, só isso merece o mundo, o mundo é isso. Eu guardo um pedaço teu.

(Estica o braço para a manta de retalhos)

( Manta de retalhos vai em direção ao lençóis, tear interrompe)

Tear- Espera!!

Não deixes nenhum pedaço teu! Vai! Despacha-te! Cai! Desaparece! Não há bom ou mau, não há vida ou morte. Tu não és pedaços bons ou maus. Tu és. Tu és completa! Tu não precisas de ser nada para além de ti.

A dualidade é ilusão

Tudo tem de acontecer

As coisas simplesmente são

Para estar vivo tem de se morrer.

( Tear levanta-se, ata todas as linhas da M.R.  e caminha em direção aos lençóis para os atar a ele)

Então mata todos os teus pedaços, desapega-te das partes que temes perder.

(Caminham em direção à manta de retalhes para unirem-se)

Só quando te perdes e perderes tudo vais perceber que todos nós somos tu e tu não tens nada a perder.

(Terminam como unidade, manta de retalhos perde todas as linhas ao longo do decorrer da peça e acaba “nua”)

 

Texto de Lídia Lisboa

Foto de Alexander Schimmeck na Unsplash

Deixar ir

Quem devemos ser se idolatramos o herói duro, forte e impenetrável que parece não ter a mínima dificuldade em salvar o dia?

E se quem salva o dia não se consiga salvar a si mesmo porque levou o corpo ao limite?

Nas mulheres o tema é mais dramático, espera-se uma mulher perfeita, sempre senhora de si e sabemos que são severamente mais cobradas que os homens por qualquer problema nervoso ou emocional, sendo imediatamente etiquetadas de histéricas sem sem tentar ver-se a realidade subjacente.

É na harmonia, sintonia profunda destas duas energias nas pessoas que conseguimos olhar no espelho sem raiva ou deceção e escolher o que queremos mudar e ver que narrativa escolhemos alimentar a nossa mente pois tudo em que nos focamos expande.

Por exemplo, eu posso dizer que sou uma jovem falhada que não teve uma carreira convencional. Mas talvez não seja suposto eu ter uma carreira convencional. Sou uma estudante insaciável da vida, muito curiosa e tenho aprendido muito. Escrevo muito e leito muito, durmo cedo e acordo cedo. Essa é a minha rotina habitual. Sei dos meus gatilhos, do que me pode levar ao limite e à hospitalização psiquiátrica novamente e obviamente não quero isso.

No entanto, não podemos controlar tudo o que nos acontece na vida, desgostos que se manifestam de forma psicossomática específica, situações que nos assustam, a sensação de pânico. Se pensarmos estes dois foram inicialmente formados para a nossa sobrevivência física faz sentido em acolhê-los como amigos em vez de sentir tanta vergonha de perder o controlo, de ficar vulnerável.

E se todos os segredos fossem revelados e as máscaras caíssem? Seria o mundo melhor?

 

Paula Gouveia

 

Foto de Llanydd Lloyd na Unsplash