Internamento psiquiátrico número três

Foto de Zulmaury Saavedra na Unsplash

 

Nunca pensei em fazer uma revista à minha imagem e semelhança. Queria um espaço plural, inclusivo, fluido, em que vários tipos de pessoas se sentissem representadas. No entanto, sendo eu diretora percebo agora que tudo passa pelo meu filtro, pela minha produtividade (ou às vezes falta dela) e por aquilo que considero ser relevante para a minha causa. O que é exatamente a minha causa, perguntam vocês. É conseguir tratar os outros e a mim mesma com bondade, entendimento e compaixão. É sentir-me realizada a nível pessoal e profissional. É estabelecer algum tipo de relação com o que considero estar acima de mim, os alicerces da minha espiritualidade.

Hoje em dia não tenho medo de dizer que tenho doença bipolar. Pode provocar medo ou suscitar desconhecimento, mas não é isso que me impede de falar sobre o assunto. Eu não sou a doença e as perceções dos outros sobre mim a eles pertencem e não a mim. Estou em paz, sei quem sou e discuto a minha saúde mental porque acredito que emoções como alegria e tristeza fazem parte da vida de todas as pessoas neste planeta.Read more

Uma vida simples

Photo by Mohamed Nohassi on Unsplash

 

Cada vezes vemos mais casos de ansiedade, de ataques de pânico súbitos e agudos, em jovens e adultos. No caso dos adolescentes é relativamente fácil de perceber o porquê destas situações dessagráveis: a pressão vinda de todos os lados, as incertezas em relação ao futuro, o medo de frustrar as expetativas, as próprias e as dos outros. Parece estar tanta coisa em jogo,  uma carga esmagadora de metas curriculares para cumprir, exigências avassaladoras que trazem angústia de não estar à altura, de não sermos produtivos e funcionais e de não nos enquadrarmos na sociedade.

É difícil conseguir fazer uma regulação emocional saudável quando não há tempo para pensar, quando a informação nos consome, quando parece que se piscarmos os olhos vamos perder alguma coisa de muito importante. Começamos a sentir-nos fora do controlo, que ninguém nos compreende nem tem os nossos problemas. Temos vergonha do que estamos a sentir e a pensar. O vazio e a tristeza instalam-se, numa solidão sem fim.Read more

Uma manhã de Outono

 

Acordo devagar e sem pressa para o dia que se inicia. Lá fora as árvores vão dançando ao sabor do vento, os passeios estão cheios de folhas e o cheiro é de terra molhada.

O outono vai chegando de mansinho, e é  a minha estação favorita. Salto da cama, calço as pantufas e vou fazer uma chávena de café. Prendo o cabelo com um lápis gasto pelo tempo e sento-me a olhar pela janela, enquanto as mãos aquecem.

As pessoas correm apressadas, de olhos postos no chão e sem qualquer ânsia de olhar para o céu. Parece que a vida se tornou um ciclo repetitivo, tal piloto automático das 9h as 18.

Abro a janela e deixo o ar entrar. Coloco-me em frente ao computador, acendo uma vela de alfazema, playlist a tocar e abro a minha lista de afazeres.

Tantas coisas para fazer e tanta vontade de ir pisar as folhas que estão lá fora.  Fico pelo menos 30 minutos a olhar a lista e a tentar decidir por onde começar. Abro uma folha em branco e começo a escrever.  A inspiração não surge como eu gostaria, talvez seja a vida a pedir-me uma pausa.

Levanto-me da cadeira, visto-me apressada e saio para a rua.

Respiro profundamente e permito-me olhar em volta, sorrio para as pessoas, digo bom dia de peito cheio e paro para apreciar o que me rodeia. Tantas folhas, tantas cores, tanta vida do lado de fora.

Quantas vezes me obrigo a estar parada, a escrever ou a criar e me esqueço de viver?

Talvez o Outono me traga esta capacidade de saborear mais a vida e a leveza dos dias mais pequenos. Talvez seja nas pausas que me permito, que encontro aquilo que preciso para criar e encontrar-me realmente.

Tantas vezes que sinto que é lá fora que a vida acontece e se não viver de verdade, que história terei para contar?

 

Catarina Valadas

Instagram: https://instagram.com/ashistoriasdamadrugada/

Conhecer para proteger: Boas práticas de apoio a crianças e jovens LGBTI

 

Projeto “Conhecer para Proteger: Boas Práticas de Apoio a Crianças e Jovens LGBTI, financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego do Portugal 2020, tem como objetivo geral, em parceria com a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), a formação e consultoria junto de profissionais que trabalhem com crianças e jovens sobre os temas da orientação sexual, identidade de género, expressão de género ou características sexuais.

No âmbito deste projeto, irá realizar-se o Evento de Encerramento do Projeto, já no próximo dia 29 de julho, sexta-feira, entre as 14:00 e as 17:30, no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (Telheiras, Lisboa) e em streaming através da plataforma online YouTube, onde serão apresentados:

  • Os resultados do Inquérito que teve como objetivo permitir dar voz às pessoas envolvidas diretamente no âmbito do projeto e seus subtemas, ao auscultar-se não só a população LGBTI, assim como os/as técnicos/as de intervenção ou profissionais no âmbito da Educação e Proteção de Crianças e Jovens;
  • Guião de Boas Práticas para a Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens LGBTI+, que tem como objetivo tornar acessível informação científica, estruturada, completa e atualizada sobre crianças e jovens lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, trans ou intersexo (LGBTI+) para suporte às ações de prevenção e intervenção dos agentes locais no âmbito da Educação e Proteção de Crianças e Jovens ou Infância e Juventude.

“A neurose de angústia” de João dos Santos

 

João dos Santos (1913-1987) foi por unanimidade um dos maiores nomes da Saúde Mental em Portugal, que combinou uma larga experiência clínica com uma obra admirável. Membro da Associação Internacional da Psicanálise e Sociedade Portuguesa de Psicologia, foi também membro titular e fundador da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e da Associação de Psicologia Científica em Língua Francesa.

Tendo cursado Educação Física antes da licenciatura em Medicina, João dos Santos parece ter sido um exemplo vivo da exortação de Abel Salazar “O médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”. João dos Santos, sempre em busca de melhorar o seu trabalho e o panorama dos cuidados mentais em Portugal não mediu esforços para ser um motor de conhecimento e evolução para o nosso país. Isto é visível ao ter fundado numerosas instituições como Liga Portuguesa de Deficientes Motores, Associação Portuguesa de Surdos, Liga Portuguesa de Higiene Mental, Centro Hellen Keller, Associação de Educação pela Arte, Movimento da Escola Moderna e Liga contra a Epilepsia.Read more

Evolução

Photo by Mahdi Bafande on Unsplash

 

Em Agosto do ano passado, escrevi um artigo muito pessoal em que contei a minha história de vida, partilhei experiências e tentei descrever o melhor possível como é viver com o diagnóstico de doença bipolar. Podem ler essas minhas palavras em: https://humanamente.pt/metamorfose-a-minha-jornada-de-transformacao-pessoal/

Os meus leitores poderão estar a perguntar-se: o que mudou na minha vida em sete meses e é nesse sentido que quero fazer esta atualização mais pessoal sobre a minha vida. À primeira vista, tudo parece estar igual: continuo sem estabilidade laboral ou amorosa. Fui internada pela segunda vez num hospital psiquiátrico. Mas, a vida continua a ensinar-me lições muito preciosas que quero partilhar aqui:

1) Não penses nunca que és o único com problemas, com ansiedades, com dores, com ataques de pânico, com impulsos incontroláveis, com vergonha, arrependimentos, baixa auto estima, síndrome do impostor e medos diversos. Esta foi a minha realidade até há bem pouco tempo, ainda o é até certo ponto, mas a verdade é que não podemos olhar apenas para o nosso umbigo, temos um mundo à nossa volta que se agita e pode ser extremamente exigente. Mas para além da pressão (auto imposta ou imposta pelos outros) existem as outras pessoas que também se afligem, também se alegram, também choram. Não podemos estar cegos ao sofrimento dos outros por estar demasiado focados no nosso.Read more

A vida é bela, apesar de tudo

Foto de Jay Castor retirada de: https://unsplash.com/photos/7AcMUSYRZpU

 

Numa altura em que o mundo mergulha em notícias alarmantes e desesperantes sobre a guerra na Ucrânia, invadida pela Rússia, numa sede de poder e de ganância megalómana, os problemas humanitários são cada vez mais flagrantes e impossíveis de serem ignorados. Como se diz pior cego é aquele que não quer ver e é impossível reagir com indiferença à fome, á opressão, à falta de oportunidades e à chacina nua e crua.

Queria instar os leitores europeus da Humanamente que, para além do conflito da Ucrânia não esqueçam os males já endémicos do continente africano. Os males do Afeganistão, em que segundo notícias recentes, as ruas de Cabul estão mergulhadas na instabilidade, com as pessoas a venderem órgãos do seu corpo para poderem comer. Não esqueçam que estas pessoas no limite do sofrimento são peões fáceis para outras guerras. Como tal, ajudem o que puderem, na medida das vossas possibilidades. Uma lata de atum, um pacote de arroz, o que for. Qualquer alimento é melhor que nada e pode fazer a diferença entre ir para a cama saciado ou com o estômago vazio a roncar de fome. Que ninguém fique para trás: crianças, mulheres, população em geral. As necessidades da natureza, das pessoas, dos animais, de todos os seres têm de ser suprimidas para que a sociedade possa avançar e evoluir para melhor.Read more

8 de Maio: Dia da Mulher

Dia da mulher. Considero sempre este dia um pouco agridoce – contente por ele existir, pois chama a atenção para os direitos de mais de metade da população e triste por ele ainda ter de existir.
Passam-se ainda ideias muito erradas do que é esta luta das mulheres, começando pelo próprio nome “feminismo”. O feminismo “advoga a defesa dos direitos das mulheres, com base no princípio da igualdade de direitos e de oportunidades entre os sexos”. Não é misandria. Não é querer ser mais que um homem ou desprezá-lo. É querer ter as mesmas oportunidades, os mesmos direitos. Equidade.
No que toca à área das necessidades específicas, a carga ainda recai maioritariamente sobre as mulheres, a quem é associado o papel tradicional de cuidar. É da mulher que se espera que cuide da casa, dos filhos, que mantenha tudo a funcionar, muitas vezes em detrimento de si mesma, da sua carreira ou espaço pessoal. É também a mulher que tem maior risco de pobreza e exclusão social. Nem vou falar dos dados no que diz respeito ao impacto da guerra e outros que tais nas mulheres e meninas, se não, não sairia daqui.
Existem 7,7 milhões de mulheres cuidadoras a tempo inteiro na união europeia, em comparação com 0,5 milhões de homens. A tempo parcial existem 9 milhões de mulheres cuidadoras, em comparação com 0,6 milhões de homens. Em Portugal a tendência é a mesma: a maioria dos cuidadores é mulher. Temos de falar também das mulheres com deficiência, que estão em dupla desvantagem no mercado de trabalho. Na Europa são 61 milhões.
Há muito trabalho a fazer neste campo. É preciso deitar abaixo estereótipos e papeis tradicionais, é preciso trabalhar para que homens e mulheres sejam vistos como iguais no mercado de trabalho, é preciso que não se assuma que a mulher é um risco porque um dia terá filhos ou terá família para cuidar. É preciso dar condições às mães, mulheres e cuidadoras para que possam ter a sua carreira se assim o desejarem e dar espaço aos pais e cuidadores para que o possam ser sem reservas, sem o peso patriarcal em cima.
Eu suspendi a minha carreira para cuidar do meu filho. Voltaria a fazê-lo num pestanejar de olhos. Mas falta-me, tal como falta a tantas mães e/ou cuidadoras, bastante suporte psicológico, físico, entre outros. É este o objetivo do dia da mulher. Chamar a atenção. Ajudar a que exista união nesta luta. Relembrar aquelas que deram a vida (literal ou figurativamente) para que pudéssemos avançar. Não podemos nunca voltar atrás.
Tânia Vargas
O mundo do Gonçalinho

Relações abusivas

 

Falamos no crime da violência doméstica nos jornais, na rádio, na televisão… Mas será que estamos sensibilizados e consciencializados o suficiente enquanto sociedade para o que este fenómeno implica? A minha resposta é um rotundo não. Enquanto houver mulheres mortas por alguém que as diz amar, por situações de ciúme doentio (que a justiça descreve como crimes passionais), por violência em estado puro e de completo descontrolo, temos nas mãos  um problema ainda bem complexo e de contornos bem escuros por resolver.

Quando era muito pequena fui vítima de bullying, muito antes desse conceito ter sido introduzido em massa no nosso léxico gramatical. Agressões físicas e verbais tornaram-se a minha realidade quotidiana e eu não sabia como reagir porque tudo o que aprendia na catequese era “Jesus Cristo deu a outra face”, ou seja tudo o que ouvia apelava a que eu não me defendesse e tentasse a todo o custo ser pacifista dentro do meu próprio problema. A minha família finalmente descobriu o que se estava a passar comigo e o meu pai foi à escola pedir para a pessoa em questão que parasse de me bater.

Isto teve consequências muito profundas na minha autoestima e autorreferenciação. Nunca me sentia boa o suficiente, apesar de os resultados escolares serem no geral muito satisfatórios. Fiz uma grande amiga, lutava por ter notas máximas, mas mo meu interior sentia-me sempre a intrusa porque era como se não fosse nunca bem acolhida no seio do grupo. Nas aulas de Educação Física, em que tinha dificuldades motoras (chegava a chamar-me de “deficiente” era a última a ser escolhida para formar grupos de jogo. Para trabalhos de ciências sociais e humanas era sempre a primeira, porque eu sabia como os fazer. Conto isto sem qualquer mágoa, no fundo todos estamos apenas a tentar simplificar a nossa vida e a trabalhar fazendo o melhor que sabemos.Read more

Quando não está tudo bem

 

É normal iniciar-se uma conversa com conhecidos ou amigos a perguntar “está tudo bem?”. A resposta que costumamos ouvir do outro lado é “sim, está” ou “vai-se andando”. Por vezes somos capazes de detetar um sorriso forçado, mas raramente temos coragem de nos alongar, afinal já cumprimos os padrões aceitáveis de sociabilidade e é um facto assente que toda a gente tem problemas. Mas o que fazer quando não está tudo bem? Quando nos sentimos desprovidos de razão de viver e o nosso mundo está em ruínas? É para essas pessoas que vou escrever as linhas seguintes.

Primeiro que tudo, é preciso ter em mente que todos temos tendência a escamotear o sofrimento, a não expressar o que realmente nos preocupa em determinados momentos da nossa vida. Temos uma reação evitativa e não encaramos a realidade. Todos somos culpados disso em maior ou menor grau. Com isto quero dizer que nos tornamos desconfiados, temos vergonha ou pudor, medo da perceção dos outros, de parecer frágeis e vulneráveis. Assim, atamos o nosso melhor sorriso com fita cola e tentamos ir em frente porque a vida é um espetáculo que tem de continuar.Read more