Foto de Zulmaury Saavedra na Unsplash
Nunca pensei em fazer uma revista à minha imagem e semelhança. Queria um espaço plural, inclusivo, fluido, em que vários tipos de pessoas se sentissem representadas. No entanto, sendo eu diretora percebo agora que tudo passa pelo meu filtro, pela minha produtividade (ou às vezes falta dela) e por aquilo que considero ser relevante para a minha causa. O que é exatamente a minha causa, perguntam vocês. É conseguir tratar os outros e a mim mesma com bondade, entendimento e compaixão. É sentir-me realizada a nível pessoal e profissional. É estabelecer algum tipo de relação com o que considero estar acima de mim, os alicerces da minha espiritualidade.
Hoje em dia não tenho medo de dizer que tenho doença bipolar. Pode provocar medo ou suscitar desconhecimento, mas não é isso que me impede de falar sobre o assunto. Eu não sou a doença e as perceções dos outros sobre mim a eles pertencem e não a mim. Estou em paz, sei quem sou e discuto a minha saúde mental porque acredito que emoções como alegria e tristeza fazem parte da vida de todas as pessoas neste planeta.
Digo que tenho esta perturbação, que se relaciona com instabilidade de humor, não porque queira pena ou atenção mas porque quero de todo o coração ajudar os outros a serem mais felizes. O que é a felicidade? Para mim é acreditar que é possível, ter fé, cuidar, albergar muito amor no coração e ter um sentido e propósito da vida.
Depois deste enquadramento vamos aos factos: fui internada no Hospital Psiquiátrico de Abraveses, Viseu, de 28 de Novembro a 6 de Janeiro. Estamos a falar, sim, de um internamento compulsivo que se prolongou pelas festividades de Natal e Ano Novo. Vamos às causas: tinha feito um desmame sozinha em Julho, cansada de experimentar vários medicamentos que não pareciam ser eficazes para o stress, nervosismo, dor e ansiedade que estava a sentir diariamente. Quando iniciei uma relação amorosa séria senti que tinha todo o apoio que necessitava e que a farmacologia que consumia era obsoleta.
Como fui parar pela terceira vez a Abraveses? Deixei de conseguir controlar tudo o que neste mundo me fazia chorar e gritar, senti terror e pânico, próxima do fim. A resposta mais concisa é esta. Fui atada a uma cama para não cair ao tentar levantar-me. Não tinha direito ao meu telemóvel nem computador, apenas a ver televisão, à escrita (o bálsamo da minha alma) e a leitura.
Muita gente vê um internamento psiquiátrico compulsivo como uma prisão e em certos pontos, parece-me que é de facto. Não temos liberdade física para ir a lado nenhum e somos forçados a tomar medicação. É como uma negociação constante dos nossos direitos individuais com médicos e enfermeiros. Não sabemos quando vamos ter alta. A angústia é flagrante.
Quando finalmente tive alta, poucos dias depois tive de comparecer em tribunal para dizer que entendia a minha doença e a obrigatoriedade de tomar medicamentos, caso contrário internavam-me de novo. Nem tudo foi mau em Abraveses e em muitos aspetos, acho que tive o melhor tratamento que alguma vez poderia ter tido. Mas, não ter liberdade para decidir ou controlar estes químicos que ponho no meu corpo é algo que me magoa, que me faz sentir em parte como se não fosse mais dona de mim ou estivesse em regime de liberdade condicional.
Um dia gostaria de ser mãe, será que o conseguirei, tendo como base tantos anos de medicação? Não sei as cenas dos próximos capítulos do livro da minha vida, mas espero que percebam que ninguém tem todas as respostas, que não é por ser diretora desta revista que tenho todas as respostas e sou alguma especialista. Também tenho dúvidas, também cometo erros porque são questões humanas muito complexas.
Não estou a sugerir que todas as pessoas com doença mental deveriam anunciar abertamente os seus diagnósticos clínicos como eu o faço. Sei que vivemos numa sociedade predadora, preconceituosa e que prima pelas represálias. Mas peço-vos para não terem medo de vocês próprios, para se abraçarem e amarem plenamente. Aceitem-se e busquem a luz!
Paula Gouveia
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