Projeto Causa Nobre em Portugal “Nasceu o desejo de dar voz às pessoas que vivem o autismo no seu dia a dia”

 

Igor Bueno e Ana Carolina Rodrigues são os fundadores do projeto Causa Nobre, que tem como missão a educação e consciencialização com ênfase no autismo, através de diversos recursos. Naturais do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, estão em passagem por Portugal para divulgar o seu trabalho, que inclui  a certificação com o selo azul às empresas que se comprometam com a inclusão.

Fomos entrevistá-los para saber mais sobre como surgiu a Causa Nobre, o que os move e o que esperam para o futuro.

 

1. Qual foi o primeiro contacto que tiveram com a PEA (Perturbação do Espectro Autista)? Têm familiares com essa condição ou vocês mesmos são autistas?

Nosso primeiro contato com o autismo aconteceu por meio do nosso trabalho como comunicadores. Não somos autistas nem pais de autistas, mas foi convivendo com muitas famílias e escutando suas histórias que decidimos nos aprofundar no tema, por meio de estudos, entrevistas, formações e vivências em diferentes contextos. Isso nos levou a nos tornarmos pesquisadores e autores sobre o assunto, especialmente atentos à falta de informação acessível e sensível.

A partir dessa escuta e observação, nasceu o desejo de dar voz às pessoas que vivem o autismo no seu dia a dia, ampliando a consciência social e promovendo uma cultura de inclusão real.

2. Definem a vossa empresa como um negócio social. É comum esse tipo de empreendimentos no Brasil? Quais foram as fases mais marcantes na edificação da Causa Nobre?

Sim, a Causa Nobre é um negócio social, criado com o propósito de desenvolver iniciativas que gerem impacto humano e transformação social. No Brasil, esse modelo de atuação ainda é novo, mas vem ganhando força. O foco está em equilibrar propósito e profissionalismo, reinvestindo recursos para fortalecer a causa.

As fases mais marcantes da Causa Nobre foram:

A criação do Diário Azul, o maior projeto literário sobre autismo do Sul do Brasil;

A realização de centenas de palestras, seminários e formações gratuitas em escolas, empresas, igrejas e instituições religiosas em geral;

A produção de conteúdos digitais e impressos sobre inclusão e desenvolvimento humano;

A chegada em Portugal, com o Diário Azul Portugal e o documentário “Uma Jornada Além do Autismo”, expandindo nossa atuação para a CPLP.

“Especializamo-nos em escutar, traduzir e comunicar temas complexos de forma acessível, empática e transformadora”

 

3. Qual foi a vossa formação para conseguirem não só desenvolver projetos sociais mas incidirem sobre a PEA, uma condição tão complexa e por vezes tão incompreendida?

Somos jornalistas e comunicadores por formação, com pós-graduação em Autismo, Atendimento Educacional Especializado e Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Além disso, somos autores de mais de 10 livros, sendo quatro deles sobre o autismo, publicados dentro do projeto Diário Azul.

Especializamo-nos em escutar, traduzir e comunicar temas complexos de forma acessível, empática e transformadora.

 

4. Como tiveram a ideia de desenvolver o Diário Azul e qual é a simbologia desta cor para vocês?

O Diário Azul nasceu como um projeto literário que reúne histórias de pessoas reais dentro do espectro autista — famílias, profissionais, educadores e indivíduos neurodivergentes. Queríamos um formato que tocasse o coração, levasse informação de forma empática e desse protagonismo às vozes que mais precisam ser ouvidas.

O azul, tradicionalmente associado ao autismo, representa para nós a profundidade da mente humana, a sensibilidade e a serenidade necessárias para compreendê-la. É também uma cor que remete à escuta e à empatia — elementos centrais do nosso trabalho.

 

“O nosso método é baseado em sensibilização, linguagem acessível e aplicação prática. Mais do que oferecer teorias, levamos vivências e experiências que aproximam as pessoas da realidade do autismo”

 

5. É a terceira vez que estão em Portugal em representação da Causa Nobre. Porque é que é importante para vocês virem ao nosso país falar desta temática e apresentar os vossos produtos?

Portugal representa, para nós, uma extensão natural da nossa missão. Estar aqui pela terceira vez é a confirmação de que a inclusão é uma pauta global, e que juntos podemos somar experiências, culturas e esforços para transformar realidades.

Nesta edição, participaremos do Congresso Europeu de Autismo em Lisboa, e circularemos por diversas cidades com palestras voluntárias, rodas de conversa, encontros com instituições de ensino, empresas e autoridades públicas.

O nosso propósito é construir pontes — por isso o nome “Causa Nobre”. E Portugal tem nos acolhido com generosidade, o que reforça nosso compromisso com a partilha de conhecimento e a escuta ativa.

 

6. Como se treina alguém quando se trata do autismo e que resultados têm alcançado com as vossas formações e seminários? É muito diferente o público em geral do mundo corporativo?

 

O nosso método é baseado em sensibilização, linguagem acessível e aplicação prática. Mais do que oferecer teorias, levamos vivências e experiências que aproximam as pessoas da realidade do autismo.

Formamos educadores, gestores, colaboradores, agentes públicos e religiosos, sempre respeitando o contexto de cada instituição. O retorno que recebemos é altamente positivo: relatos de mudança de postura, maior acolhimento, e criação de práticas mais inclusivas.

O mundo corporativo tende a buscar mais objetividade, enquanto o público em geral se conecta mais pela emoção. Em ambos os casos, buscamos equilibrar coração e razão — algo que tem feito a diferença.

 

“O programa Espectro de Estrelas nasceu para mostrar que a diversidade cognitiva é uma força, não uma limitação”

 

7. O vosso programa “Espectro de Estrelas” procura inserir pessoas autistas no mercado de trabalho. Quais são, na vossa opinião, as competências mais valorizadas no mercado de trabalho, independentemente de se ter ou não uma perturbação de desenvolvimento e o que podem trazer os neurodivergentes de especial a esta equação?

Acreditamos que o futuro do trabalho valoriza competências humanas: ética, criatividade, comprometimento, foco, pensamento fora da caixa. Essas competências estão presentes em muitas pessoas dentro do espectro, embora nem sempre sejam compreendidas.

O programa Espectro de Estrelas nasceu para mostrar que a diversidade cognitiva é uma força, não uma limitação. Com o suporte certo, pessoas autistas podem inovar, produzir e transformar ambientes de trabalho, trazendo perspectivas únicas e soluções originais.

 

8. Quais são as cidades portuguesas por onde vão passar?

A nossa agenda inclui as seguintes cidades:

Lisboa – Participação no Congresso Europeu de Autismo, em abril.

Porto

Vila Nova de Gaia

Braga

Matosinhos

Maia

Leiria

Oeiras

E outras localidades que ainda estão sendo incluídas mediante convites.

Estamos com agenda aberta e flexível, e convidamos escolas, instituições, empresas e igrejas/religiões a nos contactarem para agendarmos palestras voluntárias ou gravações de histórias para nosso documentário.

9. Estão a produzir conteúdos multiplataforma como o documentário “Diário Azul Portugal: Uma jornada além do autismo”. Numa antevisão, podem dizer-nos qual é o objetivo e direção desse projeto?

Este documentário busca registrar histórias reais de pessoas ligadas ao autismo em Portugal — famílias, profissionais, educadores, instituições. O nosso objetivo é dar visibilidade, promover empatia e mostrar como diferentes realidades se conectam por meio da inclusão.

Queremos que o documentário seja uma ferramenta educativa, acessível e sensível, capaz de tocar mentes e corações. E mais: queremos convidar quem quiser contar sua história a participar — basta nos contactar.

 

10. Começaram a Causa Nobre em Canoas, no Rio Grande do Sul e foram-se ampliando a partir daí para outros estados brasileiros e Portugal. São considerados uma referência no autismo no Sul do Brasil. O que falta ainda fazer para continuar a ter impacto em diversas causas? Quais são as vossas metas a curto, médio e longo prazo?

Temos muito orgulho da caminhada da Causa Nobre. Mas sabemos que o desafio da inclusão é contínuo. Falta ainda ampliar o acesso ao conhecimento, fortalecer redes de apoio e conscientizar mais pessoas.

As nossas metas são:

Curto prazo: concluir as gravações do documentário em Portugal e realizar mais de 30 ações gratuitas pelo país;

Médio prazo: publicar o Diário Azul Portugal com acesso gratuito para todos os países da CPLP;

Longo prazo: levar nossos projetos a mais países de língua portuguesa, impactando comunidades onde a informação sobre o autismo ainda é escassa.

Acreditamos que contar histórias transforma o mundo. E é isso que continuaremos a fazer.

 

Paula Cristina Gouveia