O voluntariado é um dos assuntos mais falados da actualidade, suscitando muita curiosidade por parte do público em geral. Partindo desse tema, colocámos cinco questões a Raquel Comprido, fundadora da Right Buddy, a primeira agência portuguesa que alia a área criativa, de organização de eventos e a responsabilidade social.
Deixe-se envolver por esta entrevista apaixonante e inspiradora.
1. De que forma a Raquel pensa que o voluntariado é uma extensão do que somos como seres humanos? Como contribuiu esse processo para o seu auto-conhecimento e amadurecimento?
O voluntariado pode ser entendido de formas diversas. Pode ser, sim, entendido como uma extensão do que somos e como o contributo ao outro, mas é acima de tudo um processo de auto-conhecimento e de amadurecimento, na minha perspectiva. Para mim vai ainda além disso, estando inteiramente ligado ao meu propósito de vida.
Actualmente, sempre que sinto que me estou a afastar de mim mesma e do que vim a este mundo fazer, é no voluntariado que me encontro. E se puder escolher um destino de eleição, gritarei África sem hesitar. Porque para mim não há melhor sensação do mundo do que aquela que aquelas crianças me fazem sentir. Elas ensinaram-me que consigo viver com muito pouco. E, se sempre fui pessoa de dar muito valor às pequenas coisas, hoje dou ainda mais. Mas, para mim, o voluntariado será sempre mais sobre nós do que sobre os outros: reconhecemos que precisamos de mudar em alguma área da nossa vida ou que ainda nos falta qualquer coisa e vamos à procura disso mesmo. Espalhar amor. E eu tenho muito amor para dar.
2. Antes do voluntariado internacional que outras actividades de voluntariado já tinha realizado? Como se dá a ponte para abraçar causas fora do nosso país?
Faço voluntariado desde pequena: lá em casa tínhamos por hábito resgatar animais da rua e dar-lhes um lar (e os que por lá temos hoje ainda foram acolhidos dessa forma). Mais tarde, na faculdade, ajudava crianças com síndrome de down a realizarem as tarefas escolares e depois disso ainda dei aulas a crianças autistas. Além disso, fiz voluntariado muitas vezes em instituições portuguesas de cariz social, animal e ambiental e fiz igualmente noutros países europeus.
Não sei se haverá uma ponte propriamente dita, porque a verdade é que continuo a ajudar cá de igual forma. Mas acredito vivamente que o voluntariado começa nas pessoas que nos são mais próximas, nos pequenos empresários (como eu) a quem me junto para crescermos em conjunto, no sorriso que esboçamos a algum desconhecido. Ou seja, pequenas coisas que podem efectivamente fazer a diferença na nossa vida e na vida de outras pessoas. Contudo, dada a dificuldade em chegar às ONGDs em Portugal, à falta de resposta, a toda a burocracia que existe por detrás de cada processo e, essencialmente, à falta de transparência associada a estas causas e às polémicas que têm existido que deixam as pessoas cada vez mais desconfiadas, optei por tentar ir mais longe. Tudo isso aliado à minha paixão assolapada por viajar e por explorar novos países e culturas e, também, por fazer testes recorrentes a mim mesma e à minha sobrevivência, levou-me a abraçar causas internacionais que precisem urgentemente de ajuda.
3. Foi ao Uganda na Primavera de 2018 e no Outono a Tailândia e Cambodja. Em jeito de balanço, como resume estas duas experiências? O que diferiu entre elas e o que as une?
O que as une: as pessoas, o carinho, a riqueza dos países, das culturas, a experiência no geral e a minha entrega para viver a experiência ao máximo. E o que as separa creio ser exactamente a mesma coisa. Passo a explicar: o Uganda marcou-me. Nós, por cá, pensamos na pobreza constante que por lá se vive e soltamos um “coitadinhos”. Mas chegar lá e perceber que aquelas pessoas não conhecem outra realidade e, por isso, escolheram viver felizes mesmo não tendo nada (comparado connosco, obviamente) é um verdadeiro abre olhos para nós. Isso e porque foi a minha primeira grande experiência, um mês fora das condições a que estou habituada, longe de tudo e de todos. Obviamente que o que vem depois disto não me consegue impressionar e marcar da mesma forma, no que respeita ao estilo de vida e ao carinho que aquelas pessoas têm para dar. Mas, já na Tailândia, conheci pessoas fantásticas que estavam lá a fazer o mesmo que eu, o que acabou por fazer com que não me sentisse tão só e inclusive participei em atividades muito diferentes e enriquecedoras, como a construção de casas para a comunidade. Mas foi no Camboja que voltei a encontrar um ambiente um bocadinho mais parecido ao que se vive no Uganda e dar aulas a 70 crianças foi um desafio constante e muito muito gratificante.
4. Como se cruza a preocupação com as causas sociais, animais e ambientais com a criação da sua própria empresa, a Right Buddy?
Como filha de pais empresários, há muito tempo que tenho o bichinho de criar algo meu. E a Right Buddy surge num dos meus muitos insights sobre que projeto deveria criar. Soube, a certa altura, que se fosse para criar uma empresa, ela teria de estar ligada à escrita e ao voluntariado. Porque são duas das coisas que mais gosto de fazer e que mais me preenchem. E queria também que fosse algo que mostrasse às pessoas que podemos sim mudar o mundo, se todos fizermos a nossa parte, dia após dia. A Right Buddy surge assim como a primeira agência digital portuguesa focada na responsabilidade social. Fruto da minha paixão por áreas muito distintas: a escrita, o voluntariado, a organização de eventos, o marketing, assente num único pilar que as une: a valorização de todos os intervenientes.
5. Que projectos de voluntariado pretende abraçar no futuro e que mensagem gostaria de deixar aos jovens que ainda não se dedicaram a nenhuma actividade nesta área?
Agora em maio regresso a África do meu coração, mais precisamente ao Quénia, 3 semanas, desta vez com um grupo de mulheres que se juntaram a mim nesta descoberta de si mesmas. Como digo sempre, o voluntariado internacional não é para todos, é preciso ter coragem e estar mesmo disposto a ir sem grandes expectativas, pronto para dar e receber todo o amor. Mas há tanta coisa que se pode fazer! Pequeninas coisas que comecem pelo seu círculo mais próximo, pela sua área de residência que, no final do dia, os farão sentir muito mais realizados e felizes e que farão parte da sua própria descoberta: de quem são, do que querem fazer, do que vieram a este mundo fazer.
Paula Gouveia