Carina Romano é uma jovem escritora portuguesa, que lançou a sua primeira obra “Valentina”, no final do ano passado. Com uma componente assumidamente autobiográfica, o livro fala-nos abertamente de flagelos sociais como a negligência, a dependência e os efeitos da violência doméstica, desafiando tabus e preconceitos, em situações que segundo a autora é urgente denunciar, para que as crianças e jovens possam encontrar à esperança.
Em entrevista à revista Humanamente, Carina Romano fala-nos ainda do porquê de ter escrito “Valentina”, do seu amor pelas pequenas coisas e da importância de apoiar a literatura nacional.
1. Para quem não te conhece, quem é a Carina Romano e como surgiu o teu percurso como escritora?
A escrita surgiu na minha infância. Sempre gostei de receber livros, de folheá-los, de lê-los de uma ponta à outra e de imaginar os cenários e as personagens. Gostava, especialmente, da sensação de deslocar-me para o interior do livro, como se estivesse lá. Sou uma pessoa simples, observadora, que gosta de uma boa conversa e de arranjar as palavras certas para descrever o que quer que seja. Fiquei deliciada pela ideia de poder partilhar mensagens através de um livro e decidi escrever a “Valentina”, que é, e será sempre, uma parte de mim, cujo objetivo é alertar, sensibilizar e promover a reflexão crítica.
2. Publicaste o teu primeiro livro, “Valentina”, em Dezembro de 2020 e assumes o teu desejo que os leitores reflitam sobre temas como efeitos de dependência, negligência, violência, amor e esperança. De que forma consideras que a tua obra pode contribuir para que haja um maior debate sobre os mesmos?
O livro é baseado na minha história de vida que, de alguma forma, sinto que pode ajudar outras pessoas. A “Valentina” é real. Não há eufemismos. Nas 194 páginas do livro está espelhada a realidade de dias e noites. Sendo escrito na primeira pessoa, penso que pode alertar, sensibilizar e conscientizar! São abordadas, infelizmente, questões da atualidade: os efeitos da dependência, a negligência, a violência, o amor e a esperança. Precisamos de continuar a falar sobre isto. Há muitas crianças e muitos(as) adolescentes a passar por situações idênticas e que podem, através da “Valentina”, encontrar esperança. Há famílias que precisam de cair na realidade. Há famílias que precisam de orientação. A “Valentina” está espalhada pelo mundo. Ela está em muitas casas e faz parte de muitas famílias. É preciso que fiquemos mais atentos(as).
3. Em “Valentina” propões uma história que é baseada em factos reais, de uma criança da cidade do Porto que cresce sendo, nas tuas palavras ,”simples, humilde e resiliente”. Na tua opinião, como se cultivam estas qualidades essenciais mesmo quando a vida nos traz dificuldades, dores e desafios variados?
Defino-me dessa forma porque me adaptava às circunstâncias. Doía-me, mas adaptava-me. Encontrava formas de abstrair-me daquilo que queria que acontecesse e aceitava a realidade para não sofrer ainda mais. É estranho, mas era aquilo que acontecia. Não julgo com facilidade. Não critico com facilidade. Gosto de ouvir as pessoas e consigo calçar-lhes os sapatos, mesmo sabendo que não me pertencem. Gosto de coisas simples e sinto-me ligada às pessoas. Reconheço o valor das pequenas coisas.
4. Chamas a atenção no teu instagram (carinaromano.mybooks) para o problema da violência doméstica. Como vês a evolução dos números neste país e que mensagem gostarias de deixar a uma pessoa que esteja a viver ou tenha acabado de passar por este tipo de situação?
A violência doméstica não é um animal de estimação. Ela não pode fazer parte do dia-a-dia de ninguém. Façam queixa! Existem formas fáceis de denunciar. A violência, seja ela qual for, porque existem diferentes tipos de violência e nenhum é menos relevante do que outro, não é uma forma de amor. Nunca foi e nunca será. Não proporcionem momentos negativos às crianças. Elas vão crescer e não queremos que cresçam com complicações no que respeita ao desenvolvimento. Todos(as) temos o direito de ser felizes. Não deixemos que ninguém se julgue no direito de roubar-nos a felicidade.
Se conhece alguém que esteja a passar por situações de violência, denuncie! É um crime público.
Acrescento, ainda, que nas escolas é necessário haver um trabalho de sensibilização e conscientização face ao que é esperado, ou não, numa relação.
5. Voltando à escrita, lançaste uma edição de autor e incentivas os aspirantes a escritores a tirarem os seus originais da gaveta. Como vês o panorama da escrita e da cultura num sentido mais lato em Portugal e de que maneira consideras que podem ser um refúgio no período pandémico que estamos a atravessar?
Em Portugal há, ainda, uma notória desvalorização dos(as) autores(as), sobretudo daqueles(as) que escrevem um livro pela primeira vez, que são aqueles(as) que mais precisam de apoio. Há, ainda, concordando com as palavras da autora Helena Magalhães, um grande apego à literatura clássica, que não é o que a maioria dos(as) jovens quer ler. As editoras, na minha perspetiva, precisam de refletir sobre os(as) leitores(as). Julgo que a existência de uma diversidade de géneros literários é um fator muito positivo no que respeita à promoção dos hábitos de leitura. Portugal é um país que lê muito pouco, pelo que é realmente necessário refletir sobre estratégias de incentivo à leitura.
A pandemia que estamos a viver deixa-nos, de alguma forma, isolados. Os livros são, sem dúvida alguma, não apenas uma companhia que nos permite aprender e exercitar a mente, mas deixar-nos mais próximos(as) de algumas realidades. O livro é um(a) amigo(a). Precisamos de ler! Não deixem os livros nas gavetas! Não deixem de escrever!
Se há amor no mundo, há esperança.