Doença mental e abandono no período da pandemia no CES

 

No dia 15 de Setembro teve lugar, via zoom, a sessão “Doença mental e abandono no período da pandemia”, o 11º evento da série Conversas desconfinadas do CES (Centro de Estudos Sociais) da Universidade de Coimbra. A sessão que se iniciou às 16h00, contou com a presença do investigador Tiago Pires Marques e Sílvia Portugal e foi moderada por Ana Raquel Matos, Ana Teixeira de Melo e João Arriscado Nunes.

Durante cerca de duas horas falou-se do sofrimento psíquico, dos paradigmas vigentes na saúde mental e na necessidade de dar representatividade e visibilidade a várias condições. Num período inicial de pandemia, proliferou um discurso do medo que moldou emoções e perceções e trouxe à tona fragilidades já existentes. Muitas consultas presenciais tiveram de ser canceladas e feitas por telefone, a ansiedade e nervosismo nas pessoas disparou. Percebe-se que é cada vez mais premente “dessacralizar-se”, por assim dizer, a clínica, no sentido de reformar e revitalizar a saúde mental em Portugal e ter em especial atenção aos grupos de risco. Aliando abordagens como a biomédica que assenta na toma de medicamentos com a psicoterapêutica que procura, entre outras coisas, ir à raiz dos problemas e acabar com comportamentos nocivos, é possível desenhar um quadro de esperança e trazer luz ao que pode ser visto como um quadro negro.

Sabemos que não podemos negar a existência de desigualdades no acesso aos cuidados de saúde A solução passa por respostas integradas a nível familiar, laboral e de tecido social que possam fazer face a estigmas, ampliados e agravados pela pandemia e pelo distanciamento social, que gera desconfiança e receio de todas as pessoas que se afastem de alguma maneira do que é considerado mais comum.

Há que salientar os terapeutas informais e ocupacionais, que com o seu trabalho também contribuem para o bem-estar da comunidade. É preciso não só criar mas sobretudo aplicar legislação inovadora, trazer para o debate público questões como o impacto do abandono, do isolamento, a necessidade de autocuidado, de gerir uma doença mental crónica, de fazer devidamente um processo de luto e ter hobbies que promovam relaxamento, alegria e realização pessoal.

Trata-se de conciliar da melhor forma o eu individual com o que se relaciona com os outros e com o meio-ambiente. A única maneira de transformar experiências dolorosas e castradoras em algo repleto de beleza e de liberdade, é cada um tomar mais consciência do que lhe causa mal-estar e junto dos seus semelhantes, edificar uma construção partilhada do mundo, em que só procure ter uma vida bem vivida. Sabemos que para tal temos de cuidar uns dos outros, eliminar fatores de stress e ter em conta sempre que a vida é feita de altos e baixos e de estados intermédios.

Só assim será possível tratar das nossas patologias como a ansiedade, tendo em conta todas as dimensões do ser humano, promover virtudes como a criatividade, a justiça e a capacidade de amar. Esta pandemia pode ser encarada como uma oportunidade única para pensar o mundo e pensar que é da responsabilidade de todos participar no desenvolvimento dos processos sociais.

Este vírus mostra-nos como são importantes as relações próximas como as de família, amigos e colegas de trabalho e o que acontece quando há perturbações na ordem mundial, que impossibilitam coisas simples que tomávamos como garantidas como o toque, o beijo ou o abraço. A ligação significativa ao outro e a própria prestação de cuidados de saúde faz-se muito desta componente sensorial que agora nos está seriamente limitada.

Sabemos que a não há uma distinção clara entre sofrimento físico ou somático e o mental/psíquico. São duas dimensões inseparáveis da mesma moeda. Temos inscritos no corpo os sintomas que nos permitem reconhecer os nossos males e estabelecer zonas de segurança e tranquilidade dentro de nós.

Sabemos que esta pandemia não escolhe território ou origem social, ou seja, é dotada de intersecionalidade e levou a fenómenos sociais como o aumento dos divórcios e da violência doméstica. Quanto aos suicídios, estima-se que a cada 40 segundos uma pessoa acaba com a vida no mundo.

É urgente educar para a saúde mental e sensibilizar para as dificuldades inerentes a este campo, com panfletos, colóquios, workshops, todo o tipo de atividades que possam trazer uma maior consciência para o público em geral.

Este foi um webinar muito interessante, que apesar de nos mostrar o agudizar de situações de patologia psíquica na pandemia, me reafirmou a necessidade de persistirmos, de sermos resilientes e de nunca, em circunstância nenhuma, desistirmos.

Termino com uma frase do psiquiatra e escritor brasileiro Augusto Cury: “Se a sociedade me abandona, a solidão é suportável, mas se eu me abandono a solidão é suportável”. O nosso corpo pode voltar a estar confinado, mas podemos sempre escolher libertar a mente, abrir horizontes e lutar a cada dia pela nossa felicidade.

 

Paula Gouveia