A Delegação Regional do Centro da Saúde em Português, organizou na passada Quinta-feira, dia 17 de Dezembro, às 21h00, um webinar gratuito subordinado ao tema “A solidão em tempos de pandemia”. A saúde mental e a solidão que todos sentimos em determinado momento, independentemente do contexto, estiveram em foco numa conversa informal, que trouxe muitos pontos de vista válidos que importa conhecer e debater.
A abertura da sessão esteve a cargo do Doutor Fidalgo de Freitas, médico psiquiatra, que nos falou que a solidão é um sentimento subjetivo, muito nosso, não é mensurável, é pessoal. Podemos sentirmo-nos sozinhos no meio da multidão, por exemplo. A solidão normalmente tem uma conotação negativa, pode ser um sintoma de depressão que distorce a realidade. A pessoa que se sente solitária pode ter certos fatores de personalidade que apontam para introversão como sofrer de timidez e baixa autoestima. A solidão é um problema social complexo, fruto de uma organização social que prima pelo individualismo, por famílias mais pequenas e com cenários de pobreza e falta de uma rede social de apoio estruturada.
Há, no entanto, fatores protetores como o casamento, ter tido acesso a educação superior e um bom rendimento social. Considera-se que a escala da solidão tende a aumentar com a idade, sendo que a qualidade de vida tem de corresponder ao avançar da idade cronológica. Técnicos como os terapeutas ocupacionais e psicólogos têm aqui um papel interventivo fundamental.
Os fatores de risco associados à solidão têm de ser minimizados. Não é possível receitar família e amigos que tragam alegria e sejam companhia benéfica para as pessoas, mas é possível com uma equipa multidisciplinar evitar que a condição se agrave, levando a comportamentos nocivos como alcoolismo e tabagismo e doenças psiquiátricas como a depressão que na sua forma mais extrema pode conduzir a ideação suicida e até tentativas nesse sentido. De ressalvar que o suicídio é a segunda causa de morte da população jovem.
Como tal, a terapêutica é essencial, sendo que nesse quesito a terapia cognitiva-comportamental tem apresentado resultados, no geral, muito animadores. Nesta prática procura-se desmontar pensamentos nefastos bem como ideias, crenças e interpretações negativas, de forma a atenuar ou mesmo eliminar o sofrimento da pessoa.
No seu painel “O impacto da solidão na saúde mental” o Doutor Fidalgo de Freitas falou ainda da importância de as pessoas serem amadas, serem independentes e serem capazes (ou seja sentirem que servem para alguma coisa). Os idosos em particular devem ser valorizados nas suas competências, porque a solidão tem consequências de elevado risco na saúde mental e até orgânicas, que advém da interpretação que se faz da realidade e que colocam o individuo em posições de maior vulnerabilidade. Apesar de tudo, este clínico considera que a pandemia não veio aumentar grandemente os casos de doença mental, mas sim eventualmente agravar os já existentes.
Todos nós em determinado momento temos flutuações de humor e fragilidades, sentimo-nos sós e desamparados. À semelhança de um presidiário que se fortalece interiormente ao receber cartas do exterior, o psiquiatra Fidalgo de Freitas diz-nos que enquanto mantivermos a esperança de dias melhores, não nos acomodarmos à solidão e continuarmos a sonhar, a nossa saúde mental estará de alguma maneira salvaguardada.
Esta pandemia tem-nos causado dor e frustração, que são reações normais, adaptativas e instintivas mas é preciso continuar alutar por correções sociais e económicas, manter o otimismo e acreditar que vamos ultrapassar tudo e sair mais fortes.
De seguida foi a vez de Joana Andrade, médica de Medicina Interna e membro da Saúde em Português, tomar a palavra para nos falar de “Voluntariado em tempos de Covid-19”. Para esta especialista, o voluntariado teve de reinventar-se no contexto pandémico, surgindo conceitos novos como o voluntariado à distância. A estrutura social como um todo sofreu um abalo, que se sentiu tanto na economia como nos relacionamentos humanos, em que o distanciamento social se passou a impor. Tanto voluntários como pessoas a precisar de ajuda sentiram-se mais sozinhos com esta falta de contacto presencial, que aumentou o fosso entre as pessoas vulneráveis e o resto da sociedade, na medida em que deixaram de estar fora da esfera nuclear de proximidade diária.
Em resultado de tudo isto, surgiram estratégias de partilha, como voluntariado por telefone, em que se tentou colmatar este peso quase patológico da falta de interação presencial. Os voluntários tiveram a humildade de sair da sua zona de conforto, de diagnosticar necessidades e refletir sobre a essência do seu trabalho, alterando os objetivos dos seus projetos.
Para Joana Andrade o que é habitual faz-se com o tempo e foi com muita dedicação e paixão que a organização sem fins lucrativos Saúde em Português procurou continuar o seu trabalho em Viseu a fornecer cuidados a pessoas sem abrigo, em casas sem condições de habitabilidade ou em casas-abrigo (projeto “Saúde sem teto”), que extrapolam a esfera da saúde mas incluíram também doações de alimentação, roupa, de afetos, pois especialmente nesta altura em que tantas cortinas sociais se fecharam, continuarem a sentir que alguém se preocupa com eles, que os entende e acarinha é tão ou mais importante que bens materiais.
A médica ressaltou que ser voluntária é ser muitas vezes ser família, é ter um sentido de responsabilidade e um coração especial. É acreditar que todos deveriam ter as mesmas oportunidades, ter suporte emocional nas suas vidas, princípios que estão embutidos numa noção muito aguçada de justiça social.
Segundo Joana Andrade o voluntariado está a passar por um percurso evolutivo e vai continuar com os voluntários a fazerem e arranjarem maneiras de estarem presentes, mesmo que neste momento não seja possível a entrada física nas instituições, como é o caso dos projetos “Saúde na Diferença” e “Saúde nas Prisões”. “O voluntariado faz bem à saúde, faz-nos crescer e sentir úteis enquanto seres vivos” afirma esta profissional, acrescentando que esta é uma dependência saudável, que obedece a códigos de conduta muito concretos e que os voluntários devem continuar a projetar-se no futuro, tanto nas atividades que desempenham como a nível pessoal.
Por último, foi a vez de Sara Moura, terapeuta ocupacional e integrante da organização Médicos no mundo, apresentar a sua intervenção denominada “A solidão na perspetiva dos avós”. Para esta terapeuta, é preciso reunir-se um conjunto de condições que sirvam de antídoto para a solidão dos mais velhos. Falando especialmente do Porto, Sara Moura considera que a cidade tem barreiras arquitetónicas que confinam as comunidades e que as respostas são escassas e insuficientes. A função do terapeuta ocupacional é servir como ponte entre a saúde e os serviços, tendo como missão promover o envelhecimento ativo e saudável, a educação para a saúde, a literacia em saúde, dinâmicas de grupo e atividades diversificadas.
Com a pandemia as condições de terapia ocupacional alteraram-se, com o fim das visitas domiciliárias, sendo necessário reajustar as medidas de atuação, que procuram minimizar a perda da rede de sociabilidade, buscar soluções para as problemáticas de base e colmatar lacunas. Através de uma intervenção que passa agora mais por telefonemas, kits de promoção de saúde física e mental e de estimulação cognitiva, é possível trazer algum conforto para os idosos que se sentem ansiosos, desgastados e com medo. É necessário trabalhar em rede para que nesta estação Outono/Inverso eles se sintam acompanhados e não percam capacidades a nível global.
Para Sara Moura, o cenário de pandemia é particularmente dramático para os idosos que sentem que já não lhe resta muito mais tempo de vida e que lhe chegam a confidenciar “Já vivemos crises piores mas não tão sozinhos”. De acordo com esta terapeuta ocupacional, estar no terreno tem um impacto gigante na redução da solidão e é preciso atuar a montante dos problemas, em relações pautadas pela empatia e interdependência, da proximidade de ter alguém atento e preocupado e tecendo vínculos afetivos.
Os poderes públicos têm de estar sensibilizados para a importância dos terapeutas ocupacionais e para o que servem e não se desistir de os inserir nas dinâmicas das organizações, com persistência e resiliência. “Tem de se fazer o que se pode, se não se pode fazer de uma maneira, faz-se de outra”.
Para além dos idosos, os jovens também se sentem sozinhos na pandemia. Vivem muito dos ecrãs e menos da partilha física, cada vez menos se veem brincadeiras na rua. Se por um lado o medo é a coisa mais natural do mundo, sobretudo no momento que atravessamos, cabe à família saber serenar as crianças, não sofrer por antecipação, relativizar os problemas e não dramatizar, pois os mais pequenos são altamente influenciáveis. Os pais, enquanto educadores, têm de ter uma atitude pedagógica na vida perante os seus filhos, manter a calma possível e nunca desvalorizar o sofrimento das crianças que se pode traduzir em episódios de inadaptação, enurese (perca de controlo dos esfíncteres), tiques nervosos e mesmo comportamentos lesivos como a automutilação. O corpo fala, dá-nos sinais, mas há um limite entre os comportamentos normais e patológicos.
Quando se trata do sofrimento infantil, há uma certa relutância em encarar com seriedade o que a criança sente e a procurar ajuda profissional. Há tendência para deixar passar o tempo e pensar que tudo se vai resolver por si só, mas como em tudo na vida tem de imperar a lei do bom senso.
Neste webinar, concluímos que são as histórias que nos constroem, que errar faz parte de ser humano e estamos sempre em aprendizagem permanente, rumo a uma melhor maneira de viver.
Paula Gouveia