Literatura: Excerto do conto “Sete jalecos” do livro “Às voltas” de José Côrte

 

Meados de outubro. Francisco, Adão e José. Nove, onze e treze anos, respetivamente. Desciam com cuidado a ribanceira escorregadia coberta de folhagens secas – chovera ontem – do nogueiral do senhor João Caneca, padrinho de José, que dera autorização para ajuntar umas cascas de nozes da apanha nos dias anteriores. Levavam, cada um, uma saca. A orientação do pai fora, antes de partir para o norte trabalhar, encher uma saca bem cheia de cascas de nozes. Precisava delas, não sabiam para o quê, assuntos do pai.

– Para quê tanta casca de nozes? – perguntou Francisco.

– Sei lá – respondeu Adão.

– Para a cabra do tio José – disse José em tom jocoso.

– Cabra?! Só se for para lhe pintar os dentes de preto! – deu Adão continuidade à jocosidade do irmão. E riram-se os três às gargalhadas.

Tinham a manhã para cumprir o mandado e por isso combinaram gerir bem o tempo. Ajuntá-las rapidamente para terem tempo de brincar umas escondidas no nogueiral. E assim foi. Em pouco mais de meia hora cada um ajuntou uma parte. Encheram uma saca bem cheia para confirmarem a quantidade pedida pelo pai e voltaram a redistribuir pelas três sacas. Francisco reclamou:

– Sou o mais pequeno, tenho de levar menos!

– E levas! – retorquiu Adão.

– Como levo? – duvidou Francisco.

– A tua saca é mais pequena do que a nossa, por isso pensas que levas mais – explicou José o engano de perceção do irmão mais moço. Francisco não se convenceu, olhou, voltou a olhar, pesou com os olhos as três sacas. Quando se aproximou dos irmãos para comparar o peso, Francisco levou um leve carrolaço de aviso pela mão pesada de Adão:

– Na minha saca não mexes – disse Adão, apontando-lhe o dedo indicador.

– Na minha também não – disse José, apontando-lhe um outro indicador. E riram-se os manos mais velhos.

            Francisco não gostou das risadas, não se intimidou e ripostou com outro carrolaço no ar, pois Adão desviou-se a tempo. José, antevendo um desaguisado entre eles, iniciado com o carrolaço afetuoso de Adão, que Francisco não compreendeu, procurou acalmar os ânimos, os de Francisco principalmente. João Caneca, ao longe, no cimo da encosta, observava-os com atenção. Estava a achar graça ao desentendimento entre os irmãos. Veio-lhe à memória os seus insignificantes conflitos de infância com os seus irmãos mais velhos. Tirou o palito da boca, encheu os pulmões, e com um ar sério para não perder a autoridade, disse bem alto:

– O vosso pai não vai gostar de saber do que estou vendo!

Remédio santo. Acalmaram logo os exaltados ânimos.

            João Caneca vendo a fervura a extinguir-se, com a foice presa ao jaleco no ombro esquerdo e a enxada no ombro direito, deu meia volta e foi-se embora.

– Se ficamos aqui a teimar, ficamos com pouco tempo para brincar – lembrou José.

Assim foi, acabaram a zanga e brincaram às escondidas no nogueiral e outras brincadeiras pelo caminho de volta. (…) “

José Côrte

 

José Bernardino Gonçalves da Côrte é professor de artes visuais desde o ano letivo de 1990/91. Nasce na Ilha de Aruba a 13 de Abril de 1967, de onde parte para a Venezuela aos 5 anos. Chega à Ilha da Madeira aos 13 anos. Frequenta o ensino básico no concelho onde vive, Ribeira Brava, prosseguindo, o ensino secundário no Funchal, na Escola Secundária Francisco Franco. No ano letivo de 1990/1991, ingressa no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) onde conclui a licenciatura em Design/Projetação Gráfica. Nesta instituição participou, na sua galeria e como aluno, em várias exposições coletivas. Em 2017 lança a obra Maltrapilho de Natal e em 2022 a obra Às voltas, ambas constituídas por contos.