Entrevista a Nádia Rodrigues “Havia incertezas e desafios, mas também havia espaço para a resiliência”

 

Mãe de uma criança com Perturbação do Espectro Autista (PEA), Nádia enfrenta vários desafios na vida como a esclerose múltipla (EM), uma depressão crónica e fibromialgia.

Fomos falar com ela para saber como lida o melhor possível com estas condições e como está a promover a inclusão e a empatia com o seu livro “Diego e o sussurro da floresta”.

 

“Como poderia continuar a ser a mãe que ele precisava se o meu corpo começasse a falhar?”

1. A Nádia viu a sua vida mudar depois de uma nevrite ótica (inflamação do nervo do olho) e sintomas isolados na coluna, o que mais tarde conduziu a um diagnóstico de Esclerose Múltipla (EM). Como foi aceitar este diagnóstico numa idade tão jovem?

Ser diagnosticada com Esclerose Múltipla aos 32 anos foi como ser lançada num turbilhão de emoções e incertezas. Tudo começou com uma nevrite ótica que me deixou completamente cega do olho direito e parcialmente do esquerdo. De um momento para o outro, o meu mundo escureceu – literal e metaforicamente. O medo tomou conta de mim. Medo de nunca recuperar a visão, medo do desconhecido, medo do que ainda estaria por vir.

Tinha um filho de 12 anos que dependia inteiramente de mim. Como poderia continuar a ser a mãe que ele precisava se o meu corpo começasse a falhar? Como poderia estar presente para ele, acompanhar os seus passos, ajudá-lo a crescer, se eu própria não sabia como o meu futuro iria desenrolar-se? Além disso, estava no primeiro ano da licenciatura, finalmente a concretizar o sonho de estudar a área que sempre quis. Pensei que teria que desistir de tudo, que o meu esforço até ali teria sido em vão.

Mas, apesar do medo e da angústia, algo em mim recusou-se a aceitar que a minha vida terminava ali, naquele lugar de medo e de insegurança. Aprendi, aos poucos, a conhecer a doença e a compreender o que significava viver com ela. Tive que voltar a aprender a conhecer o meu corpo, os sinais que ele me dava e até onde é que eu poderia ir, sem que depois existissem consequências na saúde. Sim, havia incertezas e desafios, mas também havia espaço para a resiliência, para a adaptação e para continuar a lutar pelos meus sonhos e pelo meu filho. O caminho não foi fácil, mas encontrei formas de seguir em frente, um dia de cada vez. O apoio de alguns familiares e amigos fizeram toda a diferença.

 

“Não consigo chegar sempre onde gostaria, o que me leva a um sentimento de frustração constante”.

 

2. Dentro da multiplicidade de sintomas da EM, quais são os que afetam e condicionam mais a sua vida?

A Esclerose Múltipla acrescentou na minha vida uma série de desafios que, diariamente, me obrigam a reajustar as minhas rotinas e expectativas. Entre todos os sintomas, há 4 que impactam significativamente na minha rotina e no meu desempenho nas diversas áreas da vida: a fadiga, a diplopia, a depressão e a ansiedade.

A fadiga é, sem dúvida, um dos sintomas mais limitantes. Não é um simples cansaço que se resolve com uma boa noite de sono. É um esgotamento profundo, que me consome mesmo nos dias mais tranquilos. Como mãe, há momentos em que quero estar presente e ativa, mas o corpo simplesmente não responde. Pequenas tarefas, como preparar o jantar ou ajudar o meu filho com algo, tornam-se desafiadoras. No trabalho, a concentração esgota-se rapidamente, e o esforço para manter a produtividade é imenso. Como mulher independente, é frustrante sentir que há dias em que simplesmente não consigo fazer tudo o que gostaria. E é um processo tão complicado para mim, que até hoje não consigo interiorizar a ideia de que não consigo fazer tudo o que quero, não consigo chegar sempre onde gostaria, o que me leva a um sentimento de frustração constante.

A diplopia (visão dupla) afeta diretamente a minha autonomia. Não é um sintoma que sinta constantemente, mas quando estou em crise, é irritante, porque coisas tão simples como ler, conduzir ou até mesmo deslocar-me sozinha tornam-se complicadas. Há momentos em que sinto que estou a viver num mundo desfocado, o que me obriga a fazer pausas constantes e a depender mais dos outros. Isto afeta a minha confiança, pois sempre fui alguém que valorizou a independência.

A depressão tornou-se a minha sombra, está sempre comigo. No início, tentei ignorá-la, convencer-me de que era apenas uma fase, mas percebi que não era nada que se resolvesse apenas com força de vontade. Há dias em que o peso da doença parece insuportável, em que a motivação desaparece e o medo do futuro se torna esmagador. Como mãe, isso preocupa-me, porque quero ser um exemplo de força para os meus filhos, e nem sempre consigo. No trabalho, é um desafio manter o entusiasmo e a criatividade quando, por dentro, luto para manter o equilíbrio emocional.

A ansiedade anda de mãos dadas com a incerteza que a EM traz. Nunca sei como será o dia de amanhã: se conseguirei cumprir os meus compromissos, se o meu corpo me vai trair, se estarei à altura das exigências da vida. Essa ansiedade reflete-se em noites mal dormidas, pensamentos acelerados e numa constante necessidade de estar em alerta. E isso desgasta, consome energia e, quase sempre, impede-me de simplesmente viver o momento presente.

No meio de tudo isto, aprendi a adaptar-me, a ouvir o meu corpo e a respeitar os meus limites. Mas não posso negar que cada um destes sintomas deixa marcas, exigindo de mim uma força que nem sempre sei de onde vem. Ainda assim, sigo em frente, porque sei que a minha vida vale mais do que as limitações que a EM me impõe.

 

3. A esclerose (que significa endurecimento) resulta da destruição dos tecidos que envolvem os nervos (bainha de mielina) no cérebro e na medula espinhal. Que medidas toma a Nádia ativamente para evitar a progressão desta condição neurológica?

A Esclerose Múltipla é uma doença autoimune e degenerativa, o que significa que não há muito que eu possa fazer para impedir a sua progressão além de seguir rigorosamente o tratamento prescrito. No meu caso, tomo acetato de glatiramero (Copaxone) – 3 injeções por semana em dias alternados. Trata-se de um imunomodulador que ajuda a modular a resposta do meu sistema imunitário e a reduzir a frequência dos surtos. Sei que não é uma cura, mas é o que tenho ao meu alcance para tentar abrandar o impacto da doença.

Além da medicação, sou consciente de que existem fatores que podem agravar a minha condição, como o stress e a ansiedade. O problema é que lidar com isso não é simples, especialmente para alguém que, como eu, tem transtorno de ansiedade generalizada. Sei que devia evitar o stress, manter a calma, respirar fundo e não deixar que a ansiedade me domine… mas a realidade é outra. A minha mente está sempre em alerta, e mesmo quando tento relaxar, a preocupação com o futuro, com o meu corpo e com tudo o que esta doença implica não desaparece.

Já tentei encontrar estratégias para minimizar os gatilhos, mas é um processo constante. Tento descansar quando posso, organizar a minha rotina de forma a não sobrecarregar o meu corpo, e, acima de tudo, aceito que há dias melhores e dias piores. Sei que não tenho controlo sobre a EM, mas tenho controlo sobre a forma como escolho enfrentá-la.

 

“A fibromialgia pode não aparecer em exames, mas é real, e merece ser levada a sério.

 

4. Também tem fibromialgia, uma doença que provoca algumas vezes dores intensas que se podem agravar com a fadiga da EM, mas que não aparece nos raios x nem ressonâncias magnéticas. Sente que esta condição ainda é muito incompreendida e pouco debatida?

A fibromialgia foi uma batalha longa antes mesmo de ter um nome. Durante anos, vivi com dores intensas, exaustão e um mal-estar constante sem qualquer explicação concreta. O diagnóstico demorou a chegar, e esse tempo de incerteza foi profundamente frustrante. Infelizmente, a falta de conhecimento e o estigma em torno da doença ainda são uma realidade, mesmo entre os próprios profissionais de saúde. Muitas vezes, os sintomas são desvalorizados, vistos como exagero ou até como algo “psicológico”, o que só aumenta a sensação de desamparo de quem vive com esta condição.

Além disso, ter fibromialgia e Esclerose Múltipla em simultâneo significa enfrentar desafios em dobro. A fadiga extrema da EM agrava as dores musculares e articulares da fibromialgia, as dores agravam a fadiga, e estou perante um ciclo vicioso que torna alguns dias particularmente difíceis de gerir. No entanto, em vez de me resignar à falta de apoio e compreensão, escolhi agir e sensibilizar para esta doença.

Através do meu trabalho voluntário como Coordenadora do Grupo de Apoio da Margem Sul da Associação Portuguesa de Fibromialgia, dedico-me a informar e a dar voz a quem vive com esta condição. Organizamos palestras e encontros informativos, abordamos temas fundamentais como saúde mental, exercício físico, terapias alternativas e estratégias para melhorar a qualidade de vida. O objetivo é claro: combater o desconhecimento e dar às pessoas as ferramentas necessárias para lidarem com a doença de forma mais informada e empoderada.

Mas a sensibilização não pode ficar apenas entre os doentes. Portugal ainda não está preparado nem atualizado para gerir utentes com fibromialgia. Faltam políticas públicas adequadas, médicos especializados e, acima de tudo, reconhecimento oficial da doença como uma condição incapacitante. Foi por isso que apoiei a petição “Políticas de Saúde e Inclusão Social para Pessoas com Fibromialgia”, que defende melhores condições de tratamento, acompanhamento e apoio social para os doentes.

Lutar pela visibilidade da fibromialgia é uma missão pessoal. Quero que mais pessoas sejam diagnosticadas atempadamente, que tenham acesso a cuidados de saúde adequados e que nunca mais sintam que a sua dor é invisível. Porque a fibromialgia pode não aparecer em exames, mas é real, e merece ser levada a sério.

 

“A saúde mental, infelizmente, continua a ser negligenciada em Portugal”

 

5. Com o passar do tempo, a Nádia desenvolveu uma depressão crónica. Como tem sido esse processo da sua jornada? Tem tido acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico?

Com o passar dos anos, a depressão tornou-se uma presença constante na minha vida, embora muitas vezes invisível para quem me rodeia. Em 2018, com o primeiro surto de Esclerose Múltipla, essa sombra tornou-se ainda mais pesada. É difícil explicar a profundidade dessa tristeza, porque não se vê, porque todos os dias faço um esforço enorme para parecer bem. Mas esse esforço tem um custo elevado, e de tempos a tempos, acabo por mergulhar em crises mais graves.

Durante a minha segunda gravidez, tive de suspender a medicação – antidepressivos, calmantes, tudo o que me ajudava a manter algum equilíbrio. Foram meses extremamente difíceis, seguidos de um pós-parto ainda mais desafiante. A saúde mental, infelizmente, continua a ser negligenciada em Portugal. O Sistema Nacional de Saúde não dá resposta adequada, e o acompanhamento privado está fora do alcance de muitas pessoas, como esteve para mim durante muito tempo.

Há cerca de 2 anos, descobri que a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) oferecia apoio psicológico gratuito aos seus sócios. Foi então que pedi ajuda, e desde aí sou acompanhada por uma profissional. Hoje em dia já não prescindo desta terapia, porque sei o impacto que a depressão tem na minha vida, mesmo que os outros não o vejam.

Por vezes, sinto-me profundamente desiludida comigo própria. Olho para tudo o que já conquistei e sinto que deveria ser plenamente feliz. Sei que tenho tudo para o ser, mas a depressão rouba-me essa sensação. Há uma barreira invisível que me impede de sentir essa felicidade na sua totalidade. Ainda estou nesse processo de superação – e provavelmente estarei para sempre –, mas sigo em frente, um dia de cada vez.

 

6. Sabemos da relação muito estreita entre corpo e mente, de que é preciso cuidar e integrar. Como se sente quando se ouve por aí para se ser forte no caso da depressão mas não se diz o mesmo a quem tenha uma perna partida?

Há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à saúde mental. A sua desvalorização é, infelizmente, uma questão cultural, profundamente enraizada na nossa sociedade. É muito difícil para o ser humano comum aceitar, compreender e ter empatia por algo que não consegue ver. Enquanto uma perna partida é evidente, com gesso e muletas a atestarem a lesão, a depressão continua a ser invisível aos olhos de muitos – e, por isso, tantas vezes desvalorizada.

Acredito que deveria existir muito mais sensibilização para estas questões, muito mais difusão de informação, começando logo nas escolas. Se educarmos as nossas crianças desde tenra idade para a diversidade das experiências humanas, para o facto de não sermos todos iguais e de que algumas doenças não se manifestam fisicamente, estaremos a construir uma sociedade mais empática e respeitadora. Mas continuamos a preocupar-nos com rankings de notas a Matemática, em vez de apostarmos na inteligência emocional, como ferramenta para a vida.

Ainda vou ouvindo, aqui e ali, que a depressão é “a doença da moda”. Mas não, não é. É a doença de muitos que tiveram de ser – e de se mostrar – fortes por tempo demais, até pagarem esse preço com a própria saúde mental. Precisamos urgentemente de mudar a forma como falamos (ou não falamos) sobre isto.

 

7. A depressão carateriza-se por uma sensação de nada valer a pena, de sobrecarga e/ou perda de prazer em coisas simples da vida que anteriormente se gostava de fazer. Quais são os principais sintomas que levaram ao seu diagnóstico?

Eu tenho plena consciência de que tenho tudo para ser feliz, mas simplesmente não consigo. Por mais que me esforce, por mais que tente encontrar essa sensação plena de alegria, ela escapa-me. A depressão é exatamente isso: uma sombra persistente, desagradável, que nunca me larga.

Os primeiros sinais que me levaram a procurar ajuda foram a tristeza constante, aquela sensação de peso que nunca desaparece, a falta de vontade de socializar, a perda de apetite e, talvez o mais difícil de aceitar, a perda de interesse nas coisas que antes me faziam bem. É como se, de repente, tudo se tornasse incrivelmente mais difícil e pesado de carregar.

O que mais me custa é ver como isso se reflete na minha relação com o meu filho mais novo. Ele precisa tanto de mim, do meu amor, da minha atenção, da minha presença plena. E eu estou sempre presente. Só não consigo, muitas vezes, ter a disposição positiva que gostaria de ter, aquela que ele merece, aquela que eu sei que deveria conseguir oferecer. E isso dói. Dói porque sei o que deveria sentir, sei o que deveria conseguir dar, mas a depressão rouba-me essa capacidade, tornando tudo mais difícil.

8. A Nádia é uma mãe atípica, com um dos seus filhos a ter PEA (Perturbação do Espetro do Autismo). Apesar de ser uma condição neurológica e de origem biológica, que começa ainda na fase de embrião, alguma vez se sentiu culpada ou sem saber o que fazer?

Culpada, nunca! Sem saber o que fazer, sempre!

Acredito que todos os pais – ou, pelo menos, assim deveria ser – querem o melhor para os seus filhos. Eu não sou diferente. Quero o melhor para ele, mas, devido às suas características e à sua condição, nem sempre sei se o que estou a fazer é, de facto, o melhor.

O autismo não é uma doença, não tem cura. É um transtorno do neurodesenvolvimento que o acompanhará para o resto da vida. Mas existem terapias que ajudam a superar algumas dificuldades, seja na fala, seja na socialização. E é precisamente por isso que me vejo tantas vezes perdida, sem respostas certas.

A minha cabeça é um turbilhão constante de dúvidas:

Será que está a fazer terapias a mais? Ou deveria fazer mais do que as que já faz?

Será que se sente sobrecarregado com tanta exigência? Ou será que os terapeutas deveriam ser mais exigentes?

Como é que vou lidar com esta crise?

Porque é que ele não dorme? Porque é que não come?

Deverei insistir para que coma? Ou devo simplesmente aceitar que só consegue comer determinadas coisas sem o forçar a experimentar outras?

E é assim, todos os dias. Vivo entre dúvidas e incertezas, entre medos e receios. Pergunto-me constantemente se tudo o que faço com ele e por ele será, de facto, o melhor para o seu desenvolvimento. Mas, no meio de todas essas incertezas, há uma certeza absoluta: vou estar sempre ao seu lado, a aprender com ele e por ele, a fazer o melhor que sei e posso, mesmo quando sinto que não sei nada.

9. O seu filho faz neuropediatria, terapia de fala, terapia de Snoezelen e terapia assistida por cavalos. Os benefícios da terapia com estes animais são bem conhecidos. Podia-nos falar um pouco da terapia de Snoezelen para as pessoas que não saibam em consiste.

A terapia Snoezelen é algo que descobri no meu percurso enquanto mãe de uma criança autista, e que faz todo o sentido para todas as crianças – autistas ou não. Trata-se de um ambiente multissensorial criado para estimular ou acalmar os sentidos, dependendo das necessidades de cada um. Luzes suaves, sons tranquilos, texturas diferentes e até aromas específicos são usados para proporcionar uma experiência segura e controlada.

No caso do meu filho, e de tantas outras crianças com PEA, esta terapia pode ser extremamente benéfica. Muitas vezes, ele sente o mundo de forma mais intensa, ou pelo contrário, precisa de estímulos extra para processar melhor o que o rodeia. E é aqui que o Snoezelen pode ajudar.

Para além de acalmar e reduzir a ansiedade, este ambiente também pode ajudá-lo a comunicar melhor, a expressar-se, a interagir de forma mais espontânea. Também pode contribuir para o desenvolvimento da atenção, da coordenação motora e até da própria aprendizagem. Mas, acima de tudo, é um espaço onde ele pode sentir-se seguro, sem pressão, sem exigências, apenas a explorar os sentidos ao seu ritmo.

Sei que o autismo não tem cura, e que o caminho é feito de ajustes constantes, de tentativas e erros. Mas sei também que terapias como esta podem fazer a diferença, ajudando a tornar o mundo um lugar um pouco mais confortável para ele, e pensando nisto, transformamos o quarto dele e tornamo-lo num espaço muito equiparado às salas Snoezelen! Para que, quando percebo que ele precisa de se acalmar, de abrandar o ritmo, ter o seu cantinho que o ajuda nesse desafio!

“A inclusão real passa pelo conhecimento e pela compreensão”

 

10. Nas escolas nem sempre se promove a inclusão de crianças neurodivergentes, com metas curriculares cada vez maiores, mais rígidas e padronizadas. O que gostaria de ver mudado no ensino oficial para que as crianças autistas sentissem maior aceitação e bem-estar nestes espaços?

Há tantas coisas que poderiam ser feitas para que as crianças autistas se sentissem melhor e mais incluídas nas escolas.

Acredito que uma das mudanças mais urgentes seria garantir que todos os profissionais de educação – tanto docentes como não docentes – recebessem formação obrigatória e atualizações regulares sobre neurodivergência. É essencial que adquiram competências, ferramentas e estratégias para lidar com crianças autistas, para promoverem uma relação mais empática e inclusiva. Saber como agir perante uma crise – seja um meltdown ou um shutdown –, entender as necessidades sensoriais, ou até aprender formas alternativas de comunicação no caso de autistas não verbais, deveria ser uma prioridade.

Outra mudança essencial seria a implementação de ações de sensibilização nas escolas, adaptadas a cada faixa etária. Não apenas sobre o autismo, mas também sobre outros transtornos e condições de saúde. A inclusão real passa pelo conhecimento e pela compreensão, e ensinar desde cedo que nem todos percecionam o mundo da mesma forma faria toda a diferença.

Além disso, muitas crianças autistas precisam, ao longo do dia, de um espaço onde possam isolar-se dos estímulos exteriores, mas as escolas não estão minimamente preparadas para isso. Até os aeroportos e centros comerciais já começam a criar salas Snoezelen e horários sem ruído, como medidas de inclusão. E, no entanto, as escolas continuam a desvalorizar completamente esta necessidade.

A inclusão não é só uma palavra bonita para constar nos projetos educativos. A inclusão faz-se com mudanças reais, com vontade de adaptar o ensino às necessidades das crianças – e não o contrário.

Recentemente escrevi um livro, uma história infantil – “Diego e o sussurro da floresta” – inspirada nas vivências do meu filho que ando, com muito gosto, a levar às escolas, como forma de sensibilização para este tema. É uma história sobre empatia, que nos mostra que se nos tentarmos colocar no lugar do outro, se torna mais fácil compreender o seu ‘mundo’. Enquanto mãe de uma criança autista, senti a necessidade de criar uma história que ajudasse a promover a empatia, a inclusão e a compreensão das crianças neurodivergentes. Espero desta forma contribuir para uma melhor compreensão da sociedade sobre as nossas crianças autistas.

 

Paula Cristina Gouveia