Entrevista a Francisco George: “Os portugueses provaram ser capazes de se adaptar”

 

Francisco George dispensa apresentações . Nascido a 21 de Outubro de 1947, em Lisboa, licenciou-se em Medicina com Distinção em 1973, especializou-se em Saúde Pública e foi diretor-geral da Saúde entre 2005 e 2017. É membro da Associação Portuguesa de Epidemiologia, da Associação Portuguesa para a Promoção de Saúde Pública, da Sociedade Portuguesa de Virologia e Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da SIDA. Foi condecorado com vários prémios como o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, Medalha de Serviços Distintos do Ministério da Saúde- Grau Ouro e Grã-Cruz da Ordem de Mérito. Desde 23 de Novembro de 2017, exerce funções como presidente da Cruz Vermelha Portuguesa.

Em entrevista à revista Humanamente fala-nos, entre outros assuntos, das repercussões da Covid 19 na sociedade portuguesa, da importância da prevenção e defesa da saúde pública e da fé no ser humano.

 

1_ Que ilações principais podemos tirar até ao momento da Covid 19 em termos pandémicos, comportamentais e cívicos?

A Pandemia COVID-19 veio identificar muitas das fragilidades que temos enquanto sociedade e nas estruturas de apoio. Veio, sobretudo, transformar. Os portugueses provaram ser capazes de se adaptar às circunstâncias mais atípicas e incertas. Inesperadas.  De forma exímia, reforço.  Os Sistemas de apoio nos sectores da Saúde e Social conseguiram, no meio de tamanha indefinição, dar resposta positiva e eficaz. A Ciência, que já antes nos tinha ensinado a gerir situações Pandémicas, evoluiu como nunca antes, permitindo iniciar um processo de imunização ímpar

 

2_ Quais os maiores desafios que tem enfrentado à frente da Cruz Vermelha Portuguesa?

Representar a maior Instituição Humanitária do Mundo tem inerente uma série de desafios que, de forma muito cuidada e objectiva foram sendo ultrapassados com sucesso. A herança deixada nas contas da Instituição teve um peso significativo para a estratégia desta Direcção que, a 26 de Outubro de 2017 foi designada em Conselho Supremo. Com foco na recuperação, com vista ao equilíbrio das contas, o trabalho desde essa data exigiu medidas difíceis, impactantes, mas necessárias. Cruciais ao funcionamento da Instituição.  A transferência da passagem da Gestão Hospitalar do Hospital Cruz Vermelha representou uma dessas medidas. Esta decisão permitiu que hoje, o Hospital se mantenha em funcionamento, que continue a ser uma referência em doenças do Coração e, mais importante, que as centenas de pessoas que de lá retiram os rendimentos mensais, não tenham perdido o seus empregos.  A venda de património, a gestão e distribuição de Recursos Humanos e materiais e o investimento nas equipas de primeira linha em situações críticas foram desafiantes. Provocadoras para alguns mas reconhecidas e apoiadas pela maioria.

 

3_ Publicou em 2019 o livro “Prevenir doenças e conservar a saúde”, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que aborda a obesidade, tabagismo, excesso do consumo de açúcar e de sal, entre outros, como perigos para a saúde pública. Como vê a evolução destes fatores, em Portugal, nos últimos anos?

A preocupação com questões como as que refere esteve sempre presente nas minhas palavras e acções dirigidas à sociedade. O livro “Prevenir doenças e conservar a saúde” surgiu com o propósito de reunir informação e orientação para questões da Saúde Pública a nível individual, familiar e de Portugal, importantes para a prevenção das doenças, problemas e desafios, e com propostas cientificamente fundamentadas. Recebi testemunhos de pessoas a quem ler este livro permitiu mudar a sua forma de estar na vida e a quem isso trouxe Saúde. Só por saber isto já teria valido a pena tê-lo publicado antes. Vejamos, o foco dos países desenvolvidos nestas questões da Saúde passa por apostar e investir cada vez mais na prevenção, para reduzir custos no tratamento e em todos os recursos que este envolve. Parece calculista esta visão mas reflecte-se em Vidas que não perdemos. Reflecte-se em ganhos. Além disso, as pessoas estão mais atentas aos comportamentos de risco. Até isso a Pandemia veio reforçar.

 

4_ Recentemente a Associação Acreditar lançou a petição “Luto de uma vida não cabe em 5 dias”, que pretende alargar o período de volta ao trabalho dos pais que perderam um filho de cinco dias consecutivos para vinte dias. Tendo o Doutor Francisco George passado por uma experiência de luto em que perdeu a sua mulher, Maria João, e a sua filha Catarina, que sentimento lhe desperta esta petição? Enquanto sociedade, medicamos demais e damos tempo e espaço de menos?

Bem, os processos de luto, como tão bem sabemos, não têm um número de dias para terminar e a forma como cada um gere situações emocionalmente exigentes depende de muitos factores. Também sabemos que quanto mais as pessoas se isolam, mais dificuldade terão em reerguer-se. Se é que em algum dia o conseguirão fazer de verdade. O regresso às rotinas que exigem horários e o foco em tarefas práticas e orientadas são bons alicerces para a recuperação de algum equilíbrio.

 

5_ Por último, fazendo referência ao nome desta revista, o que significa para o Doutor ser humano e como prevê que este conceito de humanidade se vá moldando e alterando num mundo cada vez mais automatizado?

Há gente muito boa por aí. Muito Humana e de uma empatia extraordinária para com o sofrimento do outro. Estas pessoas, algumas delas amigas muito próximas, permitem continuar a acreditar no Humanismo.

 

Paula Gouveia