Conto infantil: Uma história de paz

 

Era uma vez um território onde os conflitos eram a palavra de ordem. Aleph e Ahmed eram crianças de nove anos que tinham sido educadas para se odiarem. A Aleph diziam que descendia do Povo Eleito, que estava a ocupar a terra que era sua por direito e que o seu nome remetia à unicidade de Deus. A Ahmed, menino de tez igualmente morena, que vivia afastado da terra natal dos avós devido à ocupação da Palestina, era-lhe dito que os hebreus tinham roubado o que legitimamente lhe pertencia e que esses infiéis eram infelizmente apoiados por uma nação muito forte chamada Estados Unidos da América.

Todos os dias, Aleph ia buscar água ao poço da sua família, de costas bem direitas e de porte elegante pois estava convencido que merecia todas as boas graças de Deus e que não tinha culpa do seu berço ser alvo de tantas disputas. Por seu turno, Ahmed caminhava cabisbaixo e de costas curvadas, com o peso da tristeza e desânimo, ia buscar também água ao seu poço familiar sentindo-se mentalmente tal qual Sísifo que empreende esforços para rolar uma pedra enorme por uma montanha acima, apenas para a ver rolar encosta abaixo e repetir todo o trabalho ingrato no dia seguinte.

Um dia, as famílias de Aleph e Ahmed confrontaram-se com um grave problema: o poço de ambas tinha secado. Perto das propriedades de Aleph existia um lago, ainda inexplorado, que prometia colheitas muito férteis para a família judia. No entanto, a família de Ahmed também conseguia ver esse lago e julgava ter igualmente pleno direito a ele.

Instalou-se o caos entre as duas famílias, que se insultaram mutuamente e atiraram impropérios de parte a parte. Foi chamado um país conhecido sobejamente pela sua neutralidade para arbitrar aquela delicada situação: a Suíça.

A embaixadora suíça vinda diretamente de Geneve, analisou com toda atenção aquele caso e decidiu enviar uma carta às famílias na esperança de que chegassem a um acordo mutualmente benéfico.

“Eu, Anne-Thérèse Rochelle, declaro que, uma vez que os passos que distam os vossos respetivos domicílios do lago são exatamente os mesmos, devem imaginar um ponto a meio do lago e dividi-lo em partes equidistantes, para que usufruam dele de igual medida. Saudações”.

As famílias não queriam acreditar que uma figura tão importante, vinda da Europa, tinha proposto uma solução tão ineficaz! Como seriam capazes de dividir um lago se nem sequer eram capazes de mirar a propriedade alheia sem sentir uma profunda aversão e repulsa?

Mas, a necessidade de água era mais forte do que qualquer pré-conceito e as temperaturas estivais estavam cada vez mais quentes, num Sol alto que não dava tréguas.

Como tal, alguns dias depois o pequeno Ahmed pegou na sua bicicleta e num alforge e foi buscar água ao lago. Mal ele sabia que do outro lado das águas, Aleph fazia a mesma coisa.

Debruçaram-se para extraírem aquele líquido precioso à vida quando de súbito os dois meninos se viram refletidos nas plácidas águas do lago.

Perceberam que as suas semelhanças eram infinitamente maiores que as suas diferenças, que não passavam de dois meninos morenos inocentes e de alma pura, envolvidos num conflito que nunca tinham entendido realmente. Ao verem a imagem do outro, refletido nas águas claras, sentiram-se um pouco como Narciso, a contemplar admirado o seu próprio reflexo. Eram tão parecidos, não havia motivos nenhuns para lutar! Nisto uma pomba branca cruzou os céus, levando nas patinhas uma folha de oliveira.

_ Shalom, Ahmed!_ gritou Aleph, a sua voz ecoando pelo ar com poderosa ressonância.

_ Salam, Aleph!_ respondeu o menino árabe, por sua vez.

Era o início da paz naquela pequena vilazinha do Médio Oriente. Aleph e Ahmed eram como irmãos desavindos que se tinham finalmente aceite, tal e qual como eram.

As plantas e animais sorriram pela primeira vez em muito tempo. Ainda recordavam as espadas desembainhadas e o derrame de sangue. Podiam finalmente dar frutos e florescer sem medo que os seus sonhos fossem pisados pelos Homens. Estavam finalmente na terra sempre abundante do entendimento e compaixão.

 

Paula Gouveia