Doença bipolar com Maria Gomes “A vida não termina com um diagnóstico”

 

Maria Gomes, de 21 anos e tem doença bipolar, anteriormente conhecida por psicose maníaco-depressiva, que se caracteriza por variações acentuadas de humor que oscila entre atividade elevada (hipomania ou mania) e quebra de energia (melancolia ou depressão).

Pode encontrar a Maria no Instagram bipolarmente_falando_ que dá também o nome a um livro que será lançado com o mesmo nome. Esta é uma entrevista muito especial para mim, Paula Cristina Gouveia, porque também sou bipolar, com primeira crise de mania aos 19 anos e diagnóstico aos 21 anos.

Para quem não conhece esta condição, que muitas vezes nos faz magoar justamente as pessoas mais próximas de nós, recomendo vivamente lerem estas linhas.

Estarão as redes sociais a ampliar os efeitos perniciosos das fases mais agudas da doença ou podem ser uma forma de reconhecer sintomas e procurar o tratamento psiquiátrico e  psicológico adequado? Para mim e para a Maria foram ambas as opções. Vamos descobrir mais sobre esta jovem extraordinária já a seguir.

 

1. A Maria diz no seu livro “Bipolarmente falando” que na adolescência se sentia inferior, diferente e esquisita. Numa altura que dizem ser os melhores anos da nossa vida e só nos queremos sentir normais e aceites pelos nossos pares, quais eram os mecanismos que utilizava para lidar com o turbilhão de emoções que a envolvia?

A minha adolescência não foi vivida da melhor forma, devido às recaídas depressivas que me acompanhavam e que, na altura, não compreendia o motivo de as ter. Contudo, desenvolvi alguns mecanismos para lidar com toda a minha confusão mental, sendo um deles, a escrita. Escrever foi, e continua a ser, um grande refúgio para mim. Considero profundamente libertador registar todos os meus pensamentos melancólicos e é também uma forma de alívio e de compreensão. À medida que escrevia, o peso da culpa, da tristeza e do desalento ia diminuindo. Era como se cada palavra escrita esvaziasse um pouco da dor que sentia.

 

2. Em março de 2023 tem o seu primeiro episódio maníaco. Para quem só conheça superficialmente a doença bipolar, o que pode dizer sobre o seu estado de mania, que culminou no seu diagnóstico com 19 anos de idade?

O meu primeiro episódio de mania ocorreu em 2023, quando tinha apenas 19 anos de idade. Até então, eu só estava familiarizada com as fases depressivas, marcadas por uma melancolia profunda e uma apatia constante, contrariamente ao estado de mania, que foi frenético e muito agitado.

Para quem não tem conhecimento desta doença, o estado maníaco pode parecer, à primeira vista, uma fase de maior energia e desinibição. Porém, é bem mais complexo. No meu caso, sentia-me invencível. Falava de forma acelerada, dormia muito pouco e tinha um grande sentimento de euforia. Os pensamentos atropelavam-se uns aos outros e também possuía uma sensação de grandiosidade. Era como tudo parecesse possível.

Este episodio foi determinante para o meu diagnóstico de transtorno bipolar. A partir desse momento, encontrei uma explicação para as minhas oscilações de humor recorrentes. E, foi sem dúvida, o início de um novo capítulo na minha vida, que me abriu portas ao autoconhecimento, à aceitação e ao tratamento.

 

3. A dualidade entre depressão e mania continua, sendo que em setembro tem o seu segundo episódio desta última. A hiperatividade, impulsividade, euforia, o stress excessivo, privação de sono e sazonalidade são fatores envolvidos em estados maníacos. Quais sintomas diria que tiveram mais peso na sua recaída?

O meu segundo episódio de mania foi mais intenso que o primeiro e a sua duração foi mais longa. Sem dúvida que o sintoma mais notório foi a falta de noção. A falta de filtro. Perdi a capacidade de distinguir aquilo que era apropriado dizer. As palavras saíam sem travão e, sobretudo, sem coração. Além disso, a privação de sono foi marcante. Ficava acordada até horas tardíssimas, dormindo muito pouco e, no dia seguinte, acordava com uma energia dúbia. Parecia que não tinha fim, era inesgotável.

Ficava horas e horas a falar sozinha ou a importunar amigos e familiares com as minhas conspirações e ideias sem nexo. Surgiam-me diversos pensamentos perniciosos que nunca pensei ter, mas que num episódio se tem. E, não só pensava, como os realizava.

Em suma, foi precisamente a soma destes sintomas que agravaram a intensidade do episódio. No entanto, foi através deste episódio que compreendi que o estado maníaco não é só uma intensificação de energia, mas sim algo que pode ser destrutivo e nocivo. E, também me auxiliou a não desvalorizar os sinais de alerta que precedem um episódio.

 

4. A culpa e a vergonha são consequências desta doença que deixam as suas marcas. Sente que esta doença tão complexa ainda é incompreendida, o que faz com que amigos que possamos ter afetado se afastem ou desistam de nós?

Sim. Considero que esta doença ainda não é, por muitos, compreendida. Muitas vezes, acreditam que as nossas atitudes ou palavras são realizadas e proferidas com intencionalidade. O que não é. De facto, durante um episódio, não conseguimos controlar aquilo que sai de nós. Está fora do nosso controlo, pois são os sintomas de uma condição mental que se apoderam da nossa mente e do nosso corpo.

Houve pessoas próximas que se afastaram de mim. Não compreenderam a doença e não souberam lidar com a mesma. E, isso fez-me perceber que nem todos terão a capacidade para tal, para entender uma doença tão complexa, e está tudo bem. O importante é valorizar aqueles que ficam, que nos apoiam e que se esforçam para compreender esta condição.

 

5. No seu livro tem uma imagem mental muito bonita de uma menina a enfrentar algo mais forte que ela. Que práticas usou para desenvolver a auto compaixão necessária para se perdoar pelos danos trazidos pela sua condição?

A imagem de uma menina a lutar com algo mais forte do que ela representava muito daquilo que eu sentia. Sentia que não era capaz de enfrentar algo tão complexo e problemático. Contudo, consegui. Fui capaz. Aos poucos, comecei a perceber que a culpa não era minha e que não fazia sentido viver agarrada à vergonha por aquilo que fiz ou disse que não correspondia ao que eu realmente sentia. Também entendi que as nossas atitudes, num episódio maníaco, não nos definem. Não fazem parte de nós, da nossa essência.

Além disso a psicoterapia teve um papel fundamental neste processo. Foi através dela que aprendi a olhar para mim com mais empatia e com mais compaixão, pois, no fundo, eu era só uma menina a lutar com algo mais forte do que eu.

 

6. Por vezes, até acertarmos na medicação e dose correta a angústia é enorme e sentimo-nos como cobaias. A vontade de não querer mais alternar de forma tão acentuada entre euforia e depressão motivou-a a continuar rumo à tão sonhada estabilidade?

Sem dúvida. O processo de encontrar a dose adequada para mim foi desafiante. Foi longo e demorado. Foi maçante estar sempre em testes, sem saber se iria resultar ou se teria que começar tudo de novo. Contudo, a ânsia de querer alcançar a estabilidade era maior do que a minha dor. O desejo de poder viver sem os altos e baixos constantes motivou-me a não desistir. E, quando finalmente se alcança a estabilidade percebemos que todo o esforço, persistência e resiliência compensaram.

 

7. Quais foram os maiores mitos e desinformações que já encontrou sobre doença bipolar?

Um dos maiores mitos que já encontrei sobre esta condição foi a ideia de que se trata apenas de mudanças repentinas de humor. Como dizem, ora se está feliz, ora se está triste. Mas a realidade é bem mais dura do que essa. As fases maníacas e depressivas têm uma duração, um impacto e uma intensidade maior do que uma simples oscilação de humor. Outro mito bastante comum é que as pessoas que são portadoras desta doença não conseguem ter uma vida normal. E, a verdade é que, com o tratamento adequado, é perfeitamente possível ter uma vida equilibrada.

 

8. A vida pode ser muito dura e pesada quando se lida com uma doença mental. Aos 21 anos, já encontrou a leveza de borboleta que procurava?

Sim. Hoje afirmo que vivo com mais leveza, com mais alívio e sobretudo, com mais estabilidade. Sei que ainda tenho muito para descobrir da vida, desvendar novas facetas da minha pessoa, novas fases para experienciar, novas pessoas para conhecer, novos lugares para visitar e é isto que me dá motivação para continuar. Continuar a estar aqui. Continuar a viver, sem medos e sem o peso da culpa.

 

9. A Maria tem uma frase que remete à coragem de enfrentar uma doença bastante complexa, de aguentar e lutar. A terapia ajudou-a nesse sentido, a ver os pontinhos de luz que se escondem em qualquer escuridão?

Sem dúvida. A terapia foi uma ferramenta crucial no meu processo de recuperação. Com ela, aprendi a valorizar cada pequena conquista e a olhar para a minha pessoa com mais ternura e com mais compaixão. De facto, auxilia-me a ver a vida de uma forma mais leve e mais bonita. E, fornece-me diversas estratégias para lidar melhor com o que vou sentindo. Foi e é indispensável para mim.

 

10. Noutra parte do livro a Maria diz que tem uma doença mental que pode não ter cura, mas é uma doença que se trata. É preciso passar mais mensagens de força, resiliência e esperança no campo da saúde mental?

Acredito que é essencial espalhar mensagens de força, resiliência e esperança no campo da saúde mental. Quando se recebe um diagnóstico de uma doença que não tem cura, é propício pensar que é o fim do mundo e que a vida será para sempre limitada por essa condição. Mas a verdade é que não é. De facto, com o tratamento adequado, é perfeitamente possível viver com qualidade.

Sinto que as narrativas em volta das doenças mentais ainda estão muito associadas à dor e ao sofrimento e, embora isso faça parte da realidade, é importante mostrar que também existe superação. A vida não termina com um diagnóstico, pelo contrário, renasce com mais autocuidado, estabilidade e consciência.

 

Paula Cristina Gouveia

 

 

Excerto do livro “Não sei onde está, pergunta à tua mãe!”

 

O parto: como fingir que estás calmo enquanto tremes por dentro

 

     Há momentos na vida para os quais achamos que estamos preparados. Como por exemplo, uma entrevista de emprego, um discurso em público, ou um casamento. E depois há o parto — onde tudo isso parece um ensaio para um monólogo num teatro em chamas.

     Quando a minha primeira filha estava prestes a nascer, com tudo calendarizado, agendado e certinho no boletim — qual reunião de condomínio com hora marcada — achei que fazia todo o sentido caprichar no look. Afinal, se me visto bem para ir a casamentos de primos afastados, que nem sei bem de que lado da família vêm, por que não me haveria de vestir bem para o nascimento da minha filha? Uma camisa bem passada, calças direitinhas, sapato formal. Um homem digno. Um pai moderno com um toque de classe. E charme…

     O problema? O problema começou logo aí.

     Desde o momento em que entrei no hospital até à minha primeira filha decidir fazer a sua grande entrada no mundo, passaram mais de vinte e quatro horas. Vinte e quatro. Em numerais: 24.

     Em horas de sapato fechado, são duzentos e quarenta mil minutos de sofrimento plantar. A certa altura, aquele sapato, que no início da manhã me fazia parecer um gentleman de catálogo, passou a ser um alçapão térmico de couro. O meu pé, antes orgulhoso, começou a manifestar sinais de revolta. Suava. Inchava. Sussurrava pedidos de asilo a cada passo. Por esse motivo, deixo-vos um concelho: roupa confortável.

     Mas pronto, isto foi um problema menor perante o que estaria por vir. Porque, no meio daquilo tudo, o papel principal não é o nosso. Somos figurantes de luxo, homens-bandeja de água, mascotes do apoio emocional. Tentamos parecer úteis. Tentamos ser suporte. Tentamos não desmaiar. E tentamos, acima de tudo, manter um ar calmo — mesmo quando estamos por dentro a fazer uma dança ansiosa de conga existencial, com o cérebro a gritar “O que é que eu faço agora? Será que devia estar a dizer alguma coisa? Será que me calo? Será que trago gelo? Será que devia ir lá fora falecer só um bocadinho em silêncio?”.

     Costuma dizer-se que uma mulher só compreende verdadeiramente o sofrimento de um homem constipado, quando está em trabalho de parto. Porque é só ali, entre uma contração e outra, com um bebé a bater com os cotovelos nas paredes internas da realidade, que ela percebe: “Ah… então era isto que ele sentia quando tinha 37,3º de febre e pedia chá com bolachinhas no sofá.”.

     A diferença?

     Durante a nossa constipação, havia manta, Netflix, um mimo na testa e, às vezes, até um ‘coitadinho’ murmurado com alguma ternura.

     No parto?

     No parto, não há chá, não há sofá, não há mimo — e definitivamente não há ternura. Há gritos, suores, tensão no ar e um ambiente tão carregado que até o ar condicionado começa a suar.

     E tu estás ali. No meio daquilo tudo. A tentar parecer útil, enquanto percebes que és o equivalente humano de uma planta decorativa: simpático de se ver, mas irrelevante na prática.

     Tu bem queres ajudar. Dás-lhe a mão. Murmuras palavras de encorajamento que leste no Google às duas da manhã: “Amor, respira… estás a ir muito bem… força…” Mas rapidamente percebes que nada, mesmo nada do que digas tem qualquer efeito. Pior: pode ter o efeito contrário. Um leve “estás quase” pode ser recebido com um olhar que, se fosse uma arma de raios laser, te desintegrava no ato.

     E depois, o clímax: a mão. Aquela mão que a tua mulher agarra com a força de mil sofredores ancestrais. Aquele aperto que esmaga ossos, corta a circulação e manda os teus dedos para um lugar onde nunca quiseram ir. Mas tu não soltas. Não podes. Faz parte do ritual. Há um código silencioso: ela grita, tu sorris. Ela aperta, tu aguentas. Ela está a gerar vida… tu, no fundo, só tens de não desmaiar. É pedir assim tanto?

     E no meio de tudo isso, tu tremes por dentro. Claro que tremes. És humano. E estás a assistir ao momento mais inacreditável da tua vida: ver alguém que amas a passar por algo avassalador, brutal e, ao mesmo tempo, incrivelmente bonito. Estás ali, de camisa encharcada de nervos, com os sapatos a gritar por liberdade, com as mãos deformadas e o coração a bater mais depressa do que a máquina de CTG.

     Mas não mostras nada. És a rocha. O esteio. O pilar. A muralha que treme, mas não cai.

     E depois… nasce. E o mundo muda. E tudo o que passou, o cheiro, o suor, a dor, a ansiedade… tudo fica em segundo plano. Porque naquele instante em que ouves o primeiro choro da tua filha, percebes que, sim, foste figurante — mas num filme absolutamente maravilhoso.

     E não, não precisei de palmas. Ninguém me deu uma medalha. Nem uma taça. Nem sequer uma daquelas medalhinhas de chocolate com fita dourada que se compram no supermercado.

     Mas estive lá. Aguentei.

     O meu papel foi claro: estar ali. Respirar. Não cair. E parecer, pelo menos à superfície, um homem com tudo sob controlo. Se houvesse um prémio para a melhor representação num papel secundário, eu estava nomeado. O meu olhar era sereno, a postura atenta, a voz firme (com um leve tremor apenas percetível a cães treinados). Por dentro? Uma tempestade tropical com alertas vermelhos e trovoada emocional em todos os quadrantes.

     E sabem o que é mais injusto? É que ninguém fala disto.

     Ninguém pergunta ao pai: “Então, como foi para ti o parto?”. Porque, para todos os efeitos, acham que estiveste ali a jogar Candy Crush. Mas não. Estiveste na linha da frente. Sem escudo. Sem armadura.

     E por isso, caros leitores, se algum dia vos disserem que os homens não passam por nada no parto… por favor, corrijam essa injustiça histórica.

     Porque é verdade que a mãe carrega, sofre, grita, empurra e cria um ser humano com as entranhas.

     Mas nós… nós estivemos lá. A suar. A temer. A amar, e a fingir com todas as forças que estávamos calmos, enquanto, por dentro, já tínhamos comprado um bilhete só de ida para o pânico absoluto.

     E isso… também conta.

 

O livro pode ser comprado neste link:
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SOBRE O AUTOR:

 

 

Dinis Santos tem 33 anos, vive em Lisboa, onde tenta ser pai, trabalhador e escritor — nem sempre por esta ordem. É licenciado em Gestão de Recursos Humanos, e detém uma Pós-Graduação em Desenvolvimento Organizacional.
Atualmente, ocupa o cargo de HR Business Partner numa das principais empresas do sector alimentar em Portugal, onde aplica as suas competências e conhecimentos para potenciar o desenvolvimento e bem-estar dos colaboradores.
Embora a sua carreira tenha estado sempre ligada à gestão de pessoas, Dinis decidiu explorar uma nova paixão: a escrita. Viajando pelos Alpes | Crónicas Humorísticas de uma Viagem em Família (Vol. I & II) marcaram o seu primeiro trabalho literário, no qual partilha de forma divertida e envolvente as experiências e desafios de viajar com a família.
Este é o seu terceiro livro — e o primeiro que pode causar sorrisos espontâneos em qualquer lado, mesmo no trânsito, ou na fila do supermercado.

Entrevista a Márcia Arend: “Precisamos ensinar para as próximas gerações que ser diferente não é um problema”

 

Márcia Arend é pedagoga de formação com diversas especializações como: Psicopedagogia, Psicomotricidade,

Saúde Mental e Atenção Psicossocial, Neurologia Clinica e Intensiva, Neuropsicopedagogia, Intervenção ABA em autismo e Deficiência Intelectual. Mestrado em Pediatria e Saúde da Criança Doutoramento em Educação em Ciência: Química da vida e saúde. Para além disso, também é Escritora Infantil e Palestrante.

Fomos falar com ela a propósito do seu último livro, de como se aprende e como fomentar a inclusão.

 

1. Márcia, é psicopedagoga e psicomotricista, mestre em Pediatria e Doutora em Educação em Ciência. No debate como se faz a aprendizagem, se pela emoção e o coração ou pela parte da biologia e genética, como se posiciona?

A aprendizagem é um processo bem complexo que envolve os fatores biológicos e os fatores emocionais. É difícil querer separá-los, na minha opinião.

Do ponto de vista biológico e genético, sabemos que nascemos com predisposições neurológicas e cognitivas determinadas, em cada um de nós. Porém, muito escutamos e lemos que o cérebro possui a neuroplasticidade incrível, ou seja, ele é capaz de modificar conforme for estimulado, através das experiências vividas.

No entanto, temos a emoção com uma função essencial na aprendizagem. Aprendemos melhor quando estamos motivados, seguros, acolhidos e conectados afetivamente com aquilo que vivenciamos.

Com meu olhar profissional a aprendizagem acontece melhor quando integra a razão, emoção e a parte biológica. Acredito muito que ambiente afetivo, as experiências emocionais, as oportunidades se entrelaçam com a estrutura neurológica de cada pessoa.

 

2.  Sabemos que a aprendizagem se pode fazer de diferentes formas como ser visual, auditiva, basear-se na leitura/escrita ou cinestésica (tato). Considera que as escolas já estão a despertar para esta diversidade, de que cada aluno é único e especial, ou continuam muito focadas com os antigos modelos padronizados?

Esses movimentos sobre diferentes estilos de aprendizagens estão em constante crescimento, mas ainda vemos muitas escolas presas a modelos tradicionais e padronizados, que valorizam a prova escrita.

Felizmente, algumas escolas estão despertando para esses movimentos, dando uma atenção para a importância da personalização da aprendizagem e da valorização das múltiplas formas de aprender.

Ainda é um desafio real tornar essa aprendizagem uma prática constante no quotidiano escolar. Isso exige muitas mudanças, apoio à formação dos professores, e um olhar como ser único para o aluno, com interesses, potencialidades e formas específicas de se conectar com o conhecimento.

 

3. Os pais muitas vezes sentem-se pressionados a que as suas crianças compitam da mesma maneira que vemos nesta sociedade de roda de hamster, de mostrar trabalho, de mostrar rendimento. Dito isto, como resolver possíveis atrasos na aquisição cognitiva, social, emocional e de linguagem? A intervenção precoce e estimulação conseguem ser uma boa resposta para estes problemas?

A intervenção precoce e a estimulação adequada são fundamentais para lidar com possíveis atrasos no desenvolvimento cognitivo, social, emocional e de linguagem. No momento que é identificado que uma criança não está atingindo os marcos do desenvolvimento esperados para a sua faixa etária, entra-se com avaliações necessárias e o suporte através de estratégias lúdicas, interativas e afetivas.

A família tem um papel central nesse processo: quanto mais envolvida e orientada estiver, melhores serão os resultados.

Estímulos adequados fazem toda a diferença. É possível promover avanços significativos quando há acolhimento, acompanhamento profissional qualificado e um ambiente que favorece o brincar.

“O lúdico não é o contrário da aprendizagem!”

 

4. Sobre brincar, a Márcia diz que é desenvolvimento na prática, dotar as crianças de habilidades, fortalecer vínculos e prepará-las para o mundo. Porque vemos o brincar como um mero passatempo e não como algo que para além de lúdico, pode ser mais um arsenal de ferramentas que a criança tem para se descobrir a ela mesma e àquilo que gosta?

Por muito tempo, o aprendizado foi associado apenas ao que é formal, estruturado e produtivo. Eu sempre digo, ” brincar é desenvolvimento.” Quando a criança brinca, ela experimenta, cria, aprende limites, se expressa e se comunica. É nesse momento lúdico que surgem habilidades essenciais para a vida, como: atenção, empatia, autorregulação, vínculos afetivos, memória, melhora autoestima e ajuda a criança a se descobrir.

Se entendêssemos o brincar como esse verdadeiro arsenal de ferramentas para o desenvolvimento, daríamos muito mais valor a ele, em casa, na escola e na sociedade.

O lúdico não é o contrário da aprendizagem!

 

5. A discalculia afeta a capacidade de aquisição e realização de operações matemáticas. Encontra alguma relação de base entre dificuldade com números e a de letras- dislexia? E por último, o que nos podem ensinar outras condições como a síndrome de Down sobre resiliência, alegria e empatia?

Há uma relação entre discalculia e dislexia, pois ambas fazem parte dos Transtornos Específicos de Aprendizagem. A discalculia apresenta prejuízos na matemática: senso numérico, memorização de fatos aritméticos, precisão e fluência de cálculos e no raciocínio. Enquanto  a dislexia apresenta prejuízos na escrita e na leitura. Ambas podem envolver dificuldades na memória de trabalho, atenção e no processamento de informações diferentes. Ou seja, elas podem impactar na vida acadêmica e social da criança.

Importante estar sempre lembrando que nenhuma delas diminuiu o potencial da criança, é uma indicação que ela aprende de forma diferente e precisa de estratégias adequadas, apoio e compreensão.

Quando falo em Síndrome de Down me emociono porque é um convite a aprender muito mais do que conteúdos acadêmicos. São crianças que nos ensinam sobre resiliência, leveza, espontaneidade e empatia.  Mostram que inteligência, emoção e alegria são ferramentas poderosas de inclusão e transformação. Necessitam apoio certo, para poderem se desenvolver, aprender e são as maiores inspirações que tenho, passam uma força de viver e uma sensibilidade grandiosas.

 

6. Sabemos que os distúrbios alimentares nas crianças se revestem de alguma complexidade, no que revela a adoção e rejeição de certos ingredientes. Qual é a contribuição da fonoaudiologia neste quesito e qual é a conexão entre o corpo que se movimenta, interage e percebe o mundo?

Não é a minha área de conhecimento. Mas, acredito que  fonoaudiologia entra com grande contribuição na avaliação e intervenção das funções orais como: sucção, mastigação, deglutição e respiração, além de investigar possíveis questões sensoriais que impactam a alimentação e na estimulação da linguagem, entre outras.

O corpo que se movimenta, também interage e se interage percebe o mundo, está em constante  aprendizado. Quando a criança se movimenta, explora, brinca e se expressa, ela também está organizando sua percepção corporal, incluindo a oralidade. A alimentação é, um ato que envolve corpo, mente e afeto.  Por isso, a importância de uma equipe interdisciplinar é essencial para abordar essas questões de forma completa e respeitosa.

 

“Precisamos ensinar para as próximas gerações que ser diferente não é um problema”

 

7. Publicou recentemente o livro infantojuvenil “João assim assim- As aventuras de um menino para lá de especial”, sobre o autismo. É preciso desmistificar e eliminar preconceitos relacionados com esta condição neurológica, apresentando uma vida que pode ter qualidade e fluidez à mesma?

 

Sim, é urgente desmistificar o autismo e romper com os preconceitos que ainda cercam essa condição neurológica. Foi justamente com esse propósito que publiquei o livro “João Assim e Assim. As aventuras de um menino pra lá de especial”. A obra mostra, de forma lúdica e acessível, que as crianças autistas não só aprendem e se desenvolvem, como vivem histórias incríveis, cheias de emoção, desafios, superação e encantamentos.

O autismo não deve ser visto como uma limitação absoluta, mas como uma forma diferente de perceber e interagir com o mundo. Mostrar isso na literatura, especialmente para o público infantil e juvenil, é uma forma poderosa de promover empatia e inclusão. Precisamos ensinar para as próximas gerações que ser diferente não é um problema.

 

8. Quais foram os seus principais objetivos ao escrever esta obra e de maneira os pretende concretizar? É um trabalho em progresso?

 

Ao escrever o livro, meus principais objetivos foram dar visibilidade ao autismo, promover a empatia desde a infância e mostrar que toda a criança, mesmo com suas particularidades, pode aprender, sonhar e viver grandes aventuras.

Quis contar uma história inspirada na realidade, em uma criança que atendi, em famílias que acompanho, e em experiências que me marcaram profundamente como psicopedagoga e psicomotricista. João representa muitas crianças que pensam e sentem o mundo de um jeito diferente, mas que muitas vezes não são compreendidas ou acolhidas em sua essência.

Pretendo concretizar esses objetivos não apenas com a leitura do livro, mas com ações educativas: rodas de conversas, formações/capacitações nas escolas, projeto Neuro Bate-papo e palestras. O livro é um ponto de partida e sim, é um trabalho em progresso. A cada partilha com leitores, surgem novos caminhos, ideias e conexões. A obra segue viva, porque o compromisso coma inclusão é continuo.

 

9. Quando falamos de inclusão e de necessidade especiais, falamos de formação e de capacitação de profissionais. O que tem a dizer sobre este assunto?

A formação vai além do conhecimento técnico. Há a necessidade do desenvolvimento de um olhar empático, ético e humanizado, que compreenda as singularidades de cada pessoa. Muitos profissionais ainda saem da graduação sem preparo necessário para lidar com a diversidade presente nas escolas, clínicas e empresas. Por isso, a capacitação contínua é indispensável.

Investir em formação é investir na qualidade da inclusão!

Quando o profissional está preparado, a inclusão deixa de ser um desafio e passa a ser uma realidade possível e transformadora para todos os envolvidos.

 

10. É claramente apaixonada pela aprendizagem e pela educação. Em síntese, como foi a sua história e percurso profissional? Considera que os dons e talentos se identificam desde tenra idade ou temos uma vida inteira para os encontrar? Por último, o que fazer para que haja no aprender e não só, uma verdadeira ponte entre o corpo e a mente e possamos viver o nosso propósito com amor e verdade?

 

Sou completamente apaixonada pela inclusão, apaixonada pela minha profissão, apaixonada pelo que faço todos os dias. Minha trajetória começou cedo, cercada de crianças, livros, estudos, pesquisas e uma curiosidade incansável sobre o comportamento das crianças atípicas. Aos poucos, fui entendendo que minha missão estava em ajudar os outros a encontrarem seus caminhos de desenvolvimento, especialmente aquelas que, por alguma razão, não se encaixavam nos moldes tradicionais.

Estudei e estudo muito, pesquisei e pesquiso ainda com publicações em revistas científicas, atuo em clínica particular, do qual sou proprietária. Tornei-me uma profissional capacitada para lidar com crianças atípicas, na área psicopedagógica e psicomotora. Mas o que realmente moldou meu percurso foi o contato direto com crianças e famílias reais, com suas dores, desafios, vitórias e singularidades.

Sobre dons e talentos, acredito que alguns sinais aparecem na infância, mas acredito que ao longo da vida ainda podemos nos (re)descobrir. O mais bonito é que nunca é tarde para novas descobertas.

A educação precisa integrar o sentir, o pensar , o aprender com afeto, com o corpo, com o movimento, com a experiência. Quando isso tudo acontece, iremos viver com mais verdade e amor ao propósito que nos guia.

A verdadeira ponte entre corpo e mente é possível a partir da escuta, do acolhimento  e do respeito!

 

 

Paula Cristina Gouveia

A corrida autárquica

Prestes a começar a corrida autárquica o país vai-se definir politicamente para os próximos anos

Agora que acabou a corrida eleitoral das legislativas, outra começa, muito mais local e muito mais visceral. As autárquicas mexem muito mais com as nossas tripas, coração e cérebro do que qualquer outra eleição.

Este ano e pela conjuntura política, vamos todos tentar acertar e talvez falhar, sobre como se vai comportar o mapa autárquico em vigor.  De certeza que vai ser um excelente ano para as empresas de sondagens, apenas por 3 pequenos (grandes) detalhes. O PS está na chamada rua da amargura e tão cedo não se recupera, o CHEGA sendo a segunda maior força política do país, vai pela primeira vez (já foi mais, mas esta é a doer) testar o seu eleitorado local, enquanto que o PSD e o CSD/PP vão tentar andar entre os pingos da chuva, pois a AD foi a força política a crescer mais, diretamente proporcional à queda do PS e aguardam que a esgrima se faça entre o que resta do PS e o irrequieto CHEGA que pretende acabar o que começou, que é tirar mais alguns pontos ao PS, pois a restante esquerda está muito esquelética, e ganhar câmaras, consolidando o seu eleitorado.

Mas vamos por partes:

O PS devido ao desaire já anunciado antes das legislativas, fruto do maior erro de Pedro Nuno Santos em querer ir de novo a eleições, está neste momento sem eira nem beira. Carlos César faz o que pode, mas tão cedo o partido não irá afirmar uma liderança consistente e forte. Mesmo que José Luís Carneiro (ou outro candidato) tome posse rapidamente, não tem tempo até às autárquicas de reconstruir este partido. Mesmo com Marcelo Rebelo de Sousa a protelar a data de irmos a votos, para ver se o PS vai remendando alguns furos na estrutura e ganhar assim algum tempo, o facto é que vão ser precisos pelo menos 2 anos para o PS fazer as pazes com o seu eleitorado, que viu fugir, essencialmente para o CHEGA e para a AD. Ora, sabemos perfeitamente que quem é de esquerda, por norma e numa situação normal, não vota à direta, nem tão pouco à extrema-direita. O contrário também é verdade. Mas de facto, isso aconteceu, e só nos informa que estamos perante um ciclo político anormal, e que o povo quer enviar um recado à esquerda. Não foi só o PS que afundou, mas sim quase todos os partidos à esquerda, livre exceção ao LIVRE, que conseguiu manter-se e até mesmo crescer alguma coisa. O PS e desde há 12 anos, tem tido sempre a maioria das câmaras em Portugal (em 2021 ganhou 148). Neste momento, com diversos Presidentes de Câmara do partido a serem impedidos de se recandidatarem, e muitos valores a fugirem para outros partidos, não é fácil fazer futurologia. Cheira-me que o PS vai levar um tombo, ou não. Tudo depende do CHEGA, pois, a direita tradicional deverá manter o que tem. Mas já lá vamos.

Na segunda parte, falemos do CHEGA.

Sendo um partido muito recente, não tem ainda tempo de fidelizar o seu eleitorado. Falo das massas, aqueles que lhe deram os 60 deputados. O CHEGA terá, certamente, capacidade para eleger de 12 a 18 deputados, num ciclo político normal, pois os portugueses estão habituados a esta alternância entre partidos, a chamada bipolarização, e não vão arriscar num regime que poderá fazer muito bem, ou muito mal. Ou seja, um regime de incerteza. E depois, quem conhecemos de valor que está no CHEGA? Sim, alguns nomes com algum destaque, mas na maioria dos casos, vemos pessoas que não estão de todo preparadas para assumir cargos de gestão governamental. E os portugueses sabem disto. E alguns votaram CHEGA justamente para dar um cartão amarelo ao PS e à esquerda. Não foi ao sistema, porque senão a AD não teria crescido tanto, e convém registar que foram quem mais cresceram nas últimas eleições. Ressalve-se que o CHEGA venceu a esquerda, não o sistema.

André Ventura e a sua comissão de gestão das autárquicas devem andar com os nervos à flor da pele. As autárquicas serão as eleições que das duas uma, ou acabam de vez com o PS e remete-o para números impensáveis, e o CHEGA começa a pintar o mapa autárquico com os seus executivos, ou o CHEGA não é relevante no panorama local, tudo se mantém e os que advogam que o voto no CHEGA tem sido e apenas de protesto provam o seu ponto de vista. Por estes motivos, André Ventura não vê com bons olhos estas eleições. Não pode. O CHEGA precisa de tempo para consolidar, pois cresceu muito rápido, e não estou a ver candidatos de peso que se aproximem do CHEGA para assumirem candidaturas às câmaras municipais. As autárquicas são umas eleições muito pessoais e ou unipessoais, sendo preciso haver solidificação eleitoral, ligações muito fortes entre candidatos e eleitores e o CHEGA ainda não chegou lá. Se André Ventura perder as autárquicas, será o começo do fim para o CHEGA e a normalização do sistema político bipolar. Este filme já passou em muitos países e o que chama à atenção é o crescimento do populismo, porque encaixa perfeitamente na revolta das pessoas, mas na altura certa ninguém quer atirar o país para um sistema político e para políticos que pouco se sabe, que poucas provas deram à sociedade e assim arriscar algumas conquistas de abril, que são e nomeadamente a liberdade, o SNS e as pensões, pedras basilares da nossa sobrevivência.

Por último, o PSD, o CDS e o PSD+CDS

Se analisarmos que a AD foi a coligação que mais cresceu nas últimas eleições legislativas, comparativamente a 2024, pode-se antever alguma estabilidade de votos. Estando a guerra política concentrada entre o CHEGA e a esquerda, o PSD sozinho, ou coligado com o CDS, vai tentar manter ou mesmo crescer o nº de câmaras. Estes dois partidos estão quase a fazer as pazes com um eleitorado que prejudicaram bastante, no tempo de Passos Coelho, e vão assim consolidando as suas bases. Nem mesmo os diversos escândalos do nosso PM parece abalar a coligação. Sem maioria, vamos ter mais do mesmo deste futuro governo, ou seja, políticas ao centro/centro-esquerda, e mais uma vez Montenegro não vai conseguir executar o que deseja, virar o país mais à direta, cortando direitos fundamentais, e dando ao privado o manjar dos deuses. Não. Luís Montenegro não teve maioria, não pode governar como bem lhe apetecer. E não havendo entendimento com o CHEGA, vamos ver muitas vezes a Assembleia Nacional a governar por decreto. O que quer dizer que vamos continuar a desbaratar muito dinheiro mal gasto, e daqui até setembro, a AD vai continuar a crescer, e isso vai-se refletir certamente no resultado das autárquicas. Com esta luta entre a esquerda e o           CHEGA, basta à AD e aos seus partidos recolher algum do espólio que vá sobrando dessas batalhas, para irem estabilizando as suas bases e crescendo alguma coisa.

Em suma, acredito que vão ser umas eleições bem interessantes, politicamente esclarecedoras e decisivas também para o PS e o CHEGA. Ou o PS recupera ou o CHEGA consolida-se. Vai tudo girar à volta disto. Tudo o mais é cenário eleitoral.

Os restantes partidos, embora merecendo todas as honras na minha escrita, saem fora do âmbito e do objetivo que pretendo para este artigo. Certamente, falarei deles em futuros artigos e analisarei com mais alguma profundidade a sua trajetória.

José Vieira Jornalista Presidente da Assembleia Geral da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Média Digitais Online

 

 

 

 

 

 

 

Entrevista a Sara Rodrigues do Movimento IBD FAM “A colite ulcerosa é uma doença invisível, progressiva e incapacitante”

 

Sara Rodrigues é uma jovem que não se deixa definir pela sua doença, colite ulcerosa, e usa todas as suas forças para mobilizar o público em geral para as doença inflamatórias do intestino, que na sua opinião ainda não têm a visibilidade que gostaria.

Fomos falar com ela sobre momentos difíceis e assustadores da sua doença, mas também da fase mais estável e de remissão que vive agora  e tudo o que levou à criação do Movimento IBD FAM nas redes sociais. (movimento_ibdfam), numa conversa longa e sem pruridos.

 

“O intestino é como um motor de um carro,  e se essa parte não estiver bem ele vai atacar os outros órgãos do corpo”

 

1. Sara, sofres de colite ulcerosa, uma doença inflamatória intestinal crónica, em que o corpo se ataca a si próprio. Como é viver com esta realidade que pode ser muito incapacitante na medida em que causa fadiga, diarreia, perda de peso e por vezes obriga a usar fraldas e resguardos?

 

As Doenças inflamatórias do intestino (dii) englobam 3 principais entidades: A Colite UIcerosa,  a Colite indeterminada e a doença de Crohn.  É uma doença sem cura, imunomediada.  Que é mais que uma diarreia ou dor de barriga.  Muitas vezes há a necessidade de terapia avançada para a vida toda , imunoterapia hospitalar em hospital de dia muitas vezes ( biológicos) , e quando isso não é suficiente muitos de nós removem o intestino e temos de usar um saco ( ostomia). A dii é muito mais que uma doença do intestino , é mais dii do que parte física: afeta também o nosso emocional.  Não é da alimentação nem é psicológica embora a alimentação e o stress sejam gatilhos que podem acentuar sintomas e provocar agravamento do que já está acontecer no nosso corpo.

Imaginem viver com uma doença que pode acumular outras.  O intestino é como um motor de um carro,  e se essa parte não estiver bem ele vai atacar os outros órgãos do corpo. É no intestino que ocorre a absorção dos nutrientes necessários para que o nosso corpo se mantenha bem. E não podemos esquecer que o intestino é 1 segundo cérebro.

As dii têm patologias extra-intestinais como espondilite  colangite, artrite, osteopenia,  para além do facto que uma das complicações das DII é o cancro colorretal.

Eu, para além da dii, desenvolvi osteopenia,  tiroide de hashimoto e hipotiroidismo,  blefarite, colesterol,  herpes, sii, refluxo proctológico em crises que leva a desnutrição e incontinência.

Ao contrário do cancro esta doença não tem cura mesmo se removermos o intestino e a imunoterapia seja em hospital de dia ao contrário da quimo é para a vida toda.

Para além de diarreias que podem durar semanas e meses a passar, que podem gerar anemia e desnutrição existem também as hemorragias e a incontinência.

Imaginem as dores de uma apendicite aguda anos… Dores insuportáveis que podem gerar febre e desmaios e levar até a perfuração intestinal

Usamos muitas vezes fraldas e resguardos , e estamos dependentes das casas de banho mais próximas.

O medo de sair de casa, com receio de situações constrangedoras, andar num transporte público,  ir à praia ou a convívios nem sempre é fácil . É uma doença imprevisível , progressiva e incapacitante que sem os devidos cuidados pode ser fatal.

Eu tenho 82% de incapacidade definitiva no Atestado médico de incapacidade multiuso,  ou seja sou considerada uma pessoa com deficiência e tenho também reforma por invalidez.

 

“O movimento torna visível o invisível não só através da minha jornada mas também de histórias de vários colegas de luta”

 

 

2. Suspeita-se que nesta doença haja uma alteração da flora intestinal microbiana, além de também se poder ser geneticamente suscetível. Como é para ti tornar esta doença invisível visível através do teu trabalho na página de Instagram do Movimento IBD FAM?

 

O movimento_ibdfam surgiu numa altura crítica da minha doença em Maio de 2021. E coincidência No Maio Roxo. O Maio Roxo é uma campanha Mundial para a sensibilização das dii, crohn e colite ulcerosa.  Sendo o dia Mundial das DII dia 19 de Maio.

O mês de Maio é para mim especial não só pelo dia mundial das dii mas porque faço anos dia 28 de Maio.

E 2021 no meu terceiro internamento por DII estava com doença severa score mayo 3 , tinha um quadro de 40 idas à wc com incontinência pela forma de hemorragias . No internamento comecei por fazer nutrição parentérica na veia mas foi necessário fazer nutrição artificial entérica pois deixei de tolerar alimentos.  A nutrição enterica artificial chega a ter custos de 2000€ mês então precisava de ajuda, fui a canais de tv , rádio então as pessoas criaram apelos para me ajudar e assim nasceu uma página de grupo no Facebook ao qual eu decidi ao invés de ter o meu nome,  de ter o nome de Movimento de mover a sensibilização,  ibd sigla inglesa de inflammatory bowel disease = dii . O movimento torna visível o invisível não só através da minha jornada mas também de histórias de vários colegas de luta. Contudo sinto que as pessoas não estão devidamente informadas da gravidade e complexidade da doença de Crohn e colite ulcerosa.  Em Portugal a visibilidade é centrada na doença oncológica,  raramente vemos uma figura pública a abordar estes temas.

Tenho tido várias colaborações de vários portadores de vários países e até de entidades como associações e profissionais de saúde.

 

“A mensagem em relação à doença é feita de forma simples e criativa com o objetivo de chegar a várias faixas etárias “

 

3. O trabalho que fazes na página do Movimento IBD FAM pode ser considerado serviço público na medida em que transmites informação fidedigna baseada em evidência científica, como explicar o processo de pedir o Atestado Médico de Incapacidade Multiusos (AMIM). Sentes que este papel como ativista e criadora de conteúdos é uma extensão do que fazias antes profissionalmente como gestora de Marketing?

Eu estudei direito 4 anos, era atleta de futsal e sempre fui muito participativa na comunidade política da minha freguesia . A minha área profissional ajudou-me a ouvir o outro, principalmente, e a trabalhar a argumentação e a apresentação de benefícios.

Em telemarkting principalmente o foco é dado à escuta ativa e criação de necessidades.

A página do movimento foca-se precisamente nesses aspetos de sensibilização- escutar o outro,  ouvir as suas necessidades e empatia. Para além que a mensagem em relação à doença é feita de forma simples e criativa com o objetivo de chegar a várias faixas etárias.

Daí existir também uma banda desenhada e vários testemunhos de idades diferentes.

 

“Isso leva a uma fragilidade enorme de não saber como acordo amanhã mas também me levou a dar valor às pequenas coisas da vida”

 

4. Quando eras mais nova, tiveste alguns sintomas como aftas, cegar do olho direito durante dois meses e lesões cardíacas, mas o diagnóstico de colite ulcerosa só chegou aos 23 anos, em 2014. Sendo que anteriormente eras atleta, jogavas futsal, como foi lidar com a frustração de ter uma doença até agora sem cura e o impacto emocional, como o stress e a ansiedade? Que ferramentas o apoio psicológico te deu para continuares a lutar?

O diagnóstico em 2014 para mim foi um misto de medo mas ao mesmo tempo alívio por saber o que tinha.

Passava a vida em vários hospitais sabia que algo não estava bem e era sempre desvalorizada ou diziam que era do stress ou depressão era algo cansativo que me causava uma frustração enorme para além de continuar a piorar…

Faltava muitas vezes à faculdade,  ou aos treinos e ao trabalho e como é óbvio nem todas as pessoas percebiam e ouvi comentários de juízos de valor e preconceito. Deveriam achar que era frescura ou preguiça.

Até  2014 o sintomas isolados não eram evidentes, pois eu comecei por ter primeiro sintomas extra-intestinais como as lesões nos ossos, cegueira do olho ao qual a minha gastro acredita que era uma uveite algo que acontece muito nas DII

Com o diagnóstico vieram as soluções e foi aí que percebi que esta doença era grave. Passar a vida em crises e a recair, acamada em casa de fraldas ou no hospital.  Deixar de comer , não dormir ou não conseguir sair de casa, passar a vida a tentar tratamentos potentes e entrar em ensaios clínicos… levou-me a um grande desgaste e cada vez as crises são piores e os internamentos mais longos e até com riscos de colocar um saco ou de vida. Isso leva a uma fragilidade enorme de não saber como acordo amanhã mas também me levou a dar valor às pequenas coisas da vida. Como comer,  ou um simples passeio com meu cão.  Foi necessário ter acompanhamento por várias especialidades desde gastro, Enfermagem dii, dermatologia, oftalmologia, cardiologia, nutrição,  endocrinologia, medicina interna, infeciologia,  e o psicólogo.  Faço atualmente desde 2021 psicoterapia. Dado que enfrentei internamentos c/ um quadro clínico fulminante.

O meu psicólogo é fundamental nesta minha jornada mas também os grupos de apoio nas associações.

A página do movimento foi muitas vezes a minha janela para o mundo e a minha porta de comunicação com pessoas que passam pelo mesmo que eu, em que parece que falamos a mesma linguagem,  não há julgamentos e somos abraçados.  No hospital e com movimento fiz novas amizades…

É nas nossas fases más,  e quando caímos numa cama do hospital que vemos quem é de verdade.  Perdi algumas pessoas que no fundo não eram amigas mas ganhei pessoas maravilhosas.

 

“Carpe diem é o meu lema”

 

5. Em 2023 tiveste uma crise muito grave depois de três meses sem evacuar seguido de hemorragias intensas. Usaste todos os recursos biológicos do hospital e quase morreste. Esta fase tão complicada deu-te mais clareza sobre o que querias fazer na tua vida pessoal e profissional dali em diante?

Eu estou reformada atualmente,  mas não deixo de ser uma pessoa ativa, criar conteúdo ocupa os meus dias, para além de já ter sido chamada para influencer renumerada de algumas marcas e entidades.

Faço também voluntariado sempre que possível, participo na comunidade política da minha freguesia e até nas mesas de voto. A doença obrigou-me a parar e a reinventar-me e tornou-me numa pessoa mais empática e interessada pelos direitos das pessoas com doenças invisíveis.  Esta jornada deu-me ensinamentos mas também parcerias incríveis.  Ganhei novos propósitos e passei a encarar a vida de outra maneira e aproveitar ao máximo os momentos com as pessoas que eu amo e me amam. Carpe diem é o meu lema.

 

“Há falta de sensibilização para estas doenças…”

 

6. 19 associações, incluindo a APDI (Associação Portuguesa de Doença Inflamatória do Intestino), foram à Assembleia da República lutar pela comparticipação a 100% da alimentação entérica, cuja uma só lata ronda os 30 euros e é precisa para várias outras condições além da tua. Como justificas a presente comparticipação de apenas 15% com descontos faseados? Há falta de sensibilização pública para estas doenças?

Acho que é um pequeno grande passo sem dúvida.

Mas não sou do tipo de pessoa que se contenta como aquela frase feita “melhor que nada”.

Acho que sinceramente os partidos não estão devidamente esclarecidos desta realidade pois ficaríamos todos a ganhar com a comparticipação na totalidade a 100%.

15% em suplementos de nutrição entérica oral como ibd modulen não vai fazer grande diferença.  Há casos a fazer até 3 latas por dia… isso vai dar mais de 1000€ mês.

Sem esquecer que muitos de nós mal temos apoios e quando temos é um psi de 300€ ou reformas pequenas.

O custo das latas ibd modulen por exemplo consideradas como sno = suplementos orais são muitas vezes a única forma de alimentação de muitos de nós.  Eu uso várias vezes em crise e tenho de estar dependente da exposição para ter doações e isso deixa nos ainda mais fragilizados.

O governo teria mais a ganhar com a comparticipação na totalidade isso evitaria internamentos reincidentes .

O hospital gasta muito mais com o doente internado.  Muitos pioram a sua condição de saúde por não terem como pagar.

Para além do mais há desigualdade territorial, hospitais como são João e santo António no Porto fornecem suplementos orais como fortimel,  cubitan de forma gratuita.  Portanto há doentes de primeira e doentes de segunda?

Para não falar que os partidos políticos muitas vezes olham só para o seu umbigo…  e prova disso é que vários partidos como o bloco de esquerda,  o pan, e livre apresentaram projetos de lei de nutrição enterica para todos sem deixar nenhuma patologia de fora. Já outros partidos votaram contra essas propostas para verem os seus projectos de resolução que eram recomendações aprovados e muitos desses projectos de resolução deixavam uma das dii de fora a colite ulcerosa ou eram só focados numa só dii crohn ou nas latas ibd modulen quando dii não é só crohn e nutrição entérica não é só ibd modulen.  Há várias patologias que levam a quadros de desnutrição e várias marcas se suplementos orais.

Atualmente a portaria que saiu tem algumas fragilidades pois para além de ter apenas 15% no sno, pessoas seguidas nos privados ficam de fora, e os nutricionistas não estão autorizados a passar a mesma. Apenas algumas especialidades .

Quanto ao desconto faseado até 2027 parece quase uma anedota, as doenças não esperam até lá agravam de dia para dia.

Acho que Portugal e certas figuras influentes têm pouca literacia no que diz respeito a estes assuntos. A nutrição entérica e parentérica são suportes de vida, mas muitas pensam que são dietas da moda ou suplementos do ginásio.  E não se vê quase ninguém a fazer barulho quando há crianças a fazer alimentação por sonda .

Há falta de sensibilização para estas doenças… temos o exemplo de marcas de produtos de higiene de fraldas e pensos a apoiar o cancro da mama e que nunca falam por exemplo das pessoas que usam esses produtos devido a incontinência defecatória e hemorragias como as dii.

Ou por exemplo marcas de suplementos como fortimel que se centram apenas no cancro.

A dii é um problema do aparelho digestivo que leva a desnutrição grave. É triste que as pessoas comparem dii a uma simples dor de barriga ou sii síndrome do intestino irritável .

Há médicos e enfermeiros que dizem mesmo que a dii é igual ou tão grave como o cancro do intestino aliás muitos de nós temos mais percentagens de incapacidade do que algumas pessoas com cancro mas ainda assim ouvimos diariamente “pelo menos não é cancro “. Quando muitos de nós usam saco  fazemos imunoterapia,  também passamos por efeitos adversos,  para além de usarmos o saquinho e ainda poder vir a ter cancro do intestino.

As pessoas só acreditam nas feridas que sangram.

Nos outros países vemos figuras públicas a darem voz a esta realidade algumas até com saco de ostomia .

É necessário tornar visível o invisível mas sinto que as pessoas resumem a :guerreiros” apenas a doença oncológica.

Costumo dizer que nós não lutamos contra a doença porque nós não queremos perder para ela. Nós somos “vence dores”.

 

“A Remissão é sinónimo de esperança, de voltar a andar, de viver mais do que sobreviver”

 

7. Para além da colite ulcerosa, lidas com condições secundárias já que nas tuas palavras a tua doença é algo que se sente “da cabeça aos pés”. Tens anemia, osteopenia, Hashimoto hipotiroidismo, entre outras, mas estás atualmente em remissão. O que significa esta situação para ti? É um tempo de esperança e de realizar sonhos?

 

A Remissão é sinónimo de esperança, de voltar a andar, de viver mais do que sobreviver. É o momento que nos voltamos a sentir plenos e com maior alegria e disposição dado que significa um estado de doença adormecida.

Remissão não significa cura significa que a doença virou bela adormecida mas em alguns casos continuamos a ter sintomas como a fadiga extrema. Importa referir que mesmo em remissão continuamos os tratamentos e as vigias médicas e exames pois a doença é imprevisível e podem ocorrer recaídas = recidivas = flare ups .

Para mim a remissão é uma pausa e o recarregar de energias. A minha doença é multi refractária significa que a minha remissão sempre foi breve e recaiu facilmente.  O meu sistema imunitário ganha facilmente anticorpos aos tratamentos e isso já me levou a várias crises e ter períodos de remissão curtos de 6 meses a 12 meses.

Atualmente a remissão para mim significa que finalmente 1 tratamento está a atuar, e que consegui por agora evitar também uma cirurgia invasiva de remoção total do intestino grossso, cólon e recto = colectomia total.

A minha Gastroenterologista disse-me em 2023 e diz-me em várias consultas para aproveitar esta fase… pois um dia pode ser inevitável a ostomia = colocação de uma saco.  E é um cirurgia extremamente invasiva e com riscos.

Por agora a remissão significa a minha paz…

O aproveitar dos bons momentos,  o carpe diem.

O recarregar força caso tenha de começar a batalha novamente embora tente não pensar muito nisso, nas recaídas a verdade é que devido ao facto de ter passado por várias tenho uma atitude de não deitar os foguetes para o ar muito alto porque o intestino parece que ouve e ainda levo com as canas em cima.

 

8. Reformaste-te aos 34 anos por incapacidade de 82% e distingues muito bem esta pensão de invalidez da prestação social de inclusão (Psi). Sentes que os portugueses ainda não estão bem esclarecidos sobre os seus direitos ou há uma inércia na procura de informação?

A reforma e a incapacidade são coisas diferentes.

A incapacidade é medida em % e confere o estatuto de deficiência certificado num atestado chamado de AMIM- atestado médico de incapacidade multiuso realizada numa junta médica do sns. Desse atestado derivam benefícios fiscais,  sociais, laborais, de prioridade e de inclusão social como o apoio em dinheiro a psi prestação de deficiência,  prestação social para inclusão que as pessoas tendem a confundir com Rsi.  Ter um amim e psi não impede que a pessoa trabalhe.

Já a reforma por invalidez = pensão de invalidez é como se fosse uma reforma antecipadamente que pode ser relativa ou absoluta e que pode determinar se a pessoa pode ou não trabalhar. A mesma é realizada numa junta médica diferente , é pela segurança social.

Eu tenho amim de 82%, dela deriva o psi, e tenho ainda a pensão de invalidez e acumulo os dois pois tenho mais de 80% de incapacidade.

Pessoas reformadas e ou pensionistas só podem acumular ambas com 80% ou mais incapacidade . Embora sejam coisas distintas invalidez e incapacidade para o pagamento da prestação social de inclusão há certos requisitos.

As pessoas não dominam estes assuntos é uma realidade e prova disso é que mesmo com post simplificados e vídeos na página do Movimento não se dão ao trabalho de ouvir nem ler.

Algumas pessoas estão acomodadas…

Sendo que também nos hospitais a informação é escassa sobre e nem todos os médicos dominam o assunto. Deveria de existir mais informação nos hospitais e apoio nestes procedimentos das assistentes sociais e com devida informação sobre as portarias. Até algumas secretárias das uls e nas linhas de atendimento da segurança social a informação por vezes revela falta de domínio do tema e depois acontecem situações que as pessoas por não saberem das coisas saem prejudicadas.

Exemplo: tivemos pessoas com percentagens de incapacidade de 60 a 79% que tinham a psi e por pedirem a reforma perderam a psi pois não foram informadas que sendo reformadas para manter a psi precisam de 80%.

Para não falar nos longos tempos de espera que isto leva , fora relatórios e documentação necessária um processo bastante burocrático que deveria ser simplificado e mais simples.

A maioria das pessoas nem os exames de há 5 anos ou 10 anos atrás guarda… o português vive sem pensar no amanhã e que estas doenças podem acontecer em qualquer momento.

Há falta de literacia e interesse.

 

9. O que dirias a um(a) jovem que acabou de ser diagnosticado(a) com colite ulcerosa?

 

Não diria apenas a colite ulcerosa,  dado que a dii não é apenas colite ulcerosa é também doença de Crohn. É importante que as pessoas falem mais em dii, pois individualizar as dii crohn ou Colite ulcerosa leva a más interpretações e pensarem que uma é mais grave que outra. Eu digo sempre tenho dii colite ulcerosa irmã do crohn.

Em primeiro lugar diria que se sinta abraçado na minha página do movimento.  Que se precisar de falar, ligar ou até marcar 1 encontro que farei para o ajudar. Em seguida diria para seguir as associações a apdi e associação crohn e colite ulcerosa

Existem grupos de apoio nas associações e por vezes falar e partilhar histórias e experiências com quem passa e passou pelo mesmo ajuda a que a pessoa seja abraçada e compreendida. E que não está sozinha.

É importante encaminhar os recém-diagnosticados para fontes credíveis.  Há muita desinformação na Internet principalmente no tiktok,  com mezinhas e curas e rezas e Medicinas sem evidência científica,  dietas xpto e mitos de glúten e lactose,  mitos que podem prejudicar gravemente a doença.

Desejaria muita força,  diria então para filtrar bem a informação,  caminhar no seu tempo e dar um passo de cada vez, ouvir as orientações dos gastros e enfermeiros,  seguir o plano de tratamento. 

Por vezes muita informação de uma vez só pode causar ansiedade.  Com algumas pessoas demasiada informação pode assustar a pessoa, com outros como eu a informação ajuda a ser um doente empoderado mais resiliente e ativista.

Diria também que é normal sentir um misto de emoções,  para não ligar a bocas e juízos de valor,  e que a ciência tem evoluído dando cada vez mais soluções terapêuticas de encontro à nossa qualidade de vida.

Diria para ter pensamento positivo,  paciência,  e que seja transparente com a equipa médica,  pois o compromisso com tratamento e a confiança no gastro e restantes profissionais começa também quando reconhecemos que precisamos de ajuda e aceitamos o diagnóstico no sentido de fazermos parte das soluções e não do problema .

Força e coragem,  e que se te apetecer chorar,  chora! Ser forte é também reconhecer as nossas fragilidades .

Quem adoeceu foi o nosso corpo não a nossa alma.

Não deixes que a doença te defina.  Tu és o protagonista da tua história e um super herói com super coragem!

 

10. Podia-nos falar sobre quais são as formas atuais de apoiar o Movimento IBD FAM, seja pela assinatura de petições ou aquisição de merchandising? Quais são os teus objetivos para o futuro?

O Movimento não é uma associação.

É uma página criada por mim como sub nome Sara Rodrigues  , ao qual faço o conteúdo sozinha mas sempre com ajuda de testemunhos e histórias de resiliência.

O objetivo é tornar visível o invisível as DII crohn e colite ulcerosa, sensibilizar e desmistificar,  quebrar tabus e abraçar todos aqueles que vivem com esta realidade mas também os seus familiares

Ao seguirem a página nas redes sociais,  Facebook,  instagram , tiktok estão a apoiar conteúdo de serviço público e a fazer com que se chegue a mais pessoas para que possam perceber mais sobre as DII que já afetam  10milhoes em todo mundo e mais de 25 mil em Portugal.

Para além do mais podem encontrar partilha de informações das iniciativas das associações.

Têm ainda a possibilidade de aquirir t-shirts e camisolas do movimento em parceria com a multiface.peniche e de estar a par das iniciativas com outros parceiros como podcasts sobre ostomia e a dii com profissionais de saúde.

Como criadora de conteúdo espero vir a ter mais parcerias voluntárias ou renumeradas,

Seria bom ter oportunidades de dar voz a esta causa, mostrando o meu potencial e trabalho e sendo também recompensada pelas horas que me dedico com amor.

Nos outros países a mentalidade é mais aberta nisso, empoderar o doente é dar-lhe também oportunidades para mais Portugal pagando apoios de psi e reformas pequenas,  isso até ajudaria as pessoas a terem mais algum meio de sustentar custos com a doença ou aproveitar momentos de lazer.

Para finalizar, sendo que esta entrevista está ser dada em maio, podes ainda vestir roxo no dia 19 de Maio dia Mundial das DII, uma homenagem em nome de todos aqueles que vivem com a doença de Crohn ou Colite ulcerosa, mas também por aqueles que partiram.

A nossa dor é invisível mas nós não!

 Espero que as pessoas abracem mais esta causa, que os mitos e juízos de valor possam diminuir e que exista mais empatia. Juntos somos mais fortes e juntos tornamos visível o que ainda é invisível aos olhos.

Paula Cristina Lopes Gouveia

 

 

 

Entrevista a Nélia Neves “Eu não sou a minha doença, mas ela faz parte dos meus dias bons e maus”

 

Nélia tem 35 anos e é natural de Londres. Diagnosticada com perturbação de personalidade borderline, depressão e ansiedade, mantém a página do Instagram Diary of a Psychiatry Noob onde partilha as tuas vivências, preocupações e esperanças. Fomos conhecê-la melhor.

 

1. Nasceste num bairro social, criada pela tua mãe, presenciaste violência doméstica e viveste uma relação abusiva. Dirias que o teu crescimento te tornou particularmente sensível a questões de pobreza, inclusão, direitos das mulheres, relacionamentos tóxicos e defesa da saúde mental?

A resposta simples é não, quando vivemos numa situação de pobreza, e todos à nossa volta estão na mesma situação, acabamos por não ter uma clara perceção de que somos pobres. Não existia conta de poupança, nem dinheiro em caso de uma emergência, mas só me apercebi disso em idade adulta.

Em criança/adolescente acho que houve três ou quatro situações que me fizeram questionar a razão pela qual a minha casa era tão pequenina, quase sardinha enlatada e de outros não, ou a situação de pobreza em que vivia. No 4º ou 5º ano da escola primária, uma amiguinha da escola convidou-me para o seu aniversário, um sleepover, como chamamos na língua inglesa, e lá fui eu toda contente, com 20£ no bolso para oferecer como presente. Primeiro, 20 libras parecia-me uma quantidade gigante de dinheiro com os meus 9/10 anos (ainda hoje, se me derem €20, sinto que é demasiado, fico desconfortável). Porém, o que me impressionou mesmo foi a casa dela. Só a sala dela, devia ser o tamanho da minha casa toda, e a casa tinha 3 ou 4 andares. Esta situação repetiu-se mais umas 3 ou 4 vezes até ao 9º ano. Contudo, nunca senti que os pais dos meus amigos de infância julgassem os amigos que vinham de famílias com menos recursos, e sempre me lembro de ter tido boas interações.

A segunda situação foi em casa de um desses tais amigos com uma casa excecionalmente gigante. Lembro-me de dizer quanto a minha mãe ganhava ao ano e dele exclamar “vocês são mesmo pobres”, e dos pais dele me pagarem as aulas de canoagem. As restantes, era de amizades, cujas famílias tinham au pairs ou empregadas domésticas. As turmas das escolas na Inglaterra são divididas pelo teu nível de “aptidão”, uma vez que eu tinha notas mais altas, eu de bairro, estava tendencialmente em turmas com miúdos de classe média. Lembro que gozavam com os meus sapatos ou diziam que eu tinha cheiro, que talvez nesta desconstrução associo a bullying de pobreza.

Por último, a minha mãe era empregada doméstica, como tantas outras, mal paga, precária e sem contrato. Uma vez, como boa filha de pais imigrantes, tive de ir ajudar. Se algum dia, alguém precisar de um banho de humildade, é servir uma classe que se considera superior a ti. Ainda me lembro de dizer à minha mãe que aquilo tinha sido a pior sensação da vida e que não queria voltar a repetir esse sentimento.

O relacionamento abusivo dos meus pais, não dependia tanto do fator financeiro, mas sim, do religioso. Ninguém da família podia saber que o meu pai, tinha (e tem) outra família. A separação deles foi um segredo que eu tive que manter até ser adolescente. Com 16, a minha atitude de rebeldia acabou por levar a que o “casamento” imaginário fosse caindo, mas o meu pai, até à morte da minha mãe sempre a controlou psicologicamente e emocionalmente, nunca a deixando ter uma vida só dela.

O meu sonho desde que sou criança era trabalhar para ajudar os outros, numa visão muito mais bonita e utópica, daquilo que é o olhar de uma criança. Sempre quis trabalhar em cenário de conflito e a doença mental sempre me fascinou. Não sei explicar a razão, mas apesar da minha mãe ter um discurso feminista muito concreto (sempre para mim, mas nunca para ela própria), a aproximação às áreas da inclusão, migrações, pobres e direitos humanos foram-se desenvolvendo à medida em que também fui desconstruindo a minha própria realidade.

 

“A empatia em qualquer relação é fundamental”

 

2. Foste diagnosticada com perturbação de personalidade borderline, depressão e ansiedade. O que acontece, muitas vezes nestas situações, é a pessoa sentir-se uma anomalia, reduzida a uma doença ou a policiar os seus pensamentos e comportamentos o tempo todo. O que se tem revelado útil para ti no sentido de atenuar o teu sofrimento e angústia geral?

No meu caso as rotinas são fundamentais, a minha rede de suporte (pequena, mas potente), o ginásio, os planos para o futuro que faço. Não obstante, o que me mais me provoca angústia é tentar relacionar-me com pessoas desconhecidas que me causam ansiedade, e com a idade tenho tentado identificar se é o meu medo de aproximação ou, se, de facto, tendencialmente a pessoa tem traços de personalidade que me provocam ansiedade. No meu caso, tenho uma fobia gigante a ser rejeitada e crio muitas defesas quando as emoções são demasiado grandes e não cabem numa caixinha que eu controlo. Sou muito aberta com isto, e geralmente se sinto falta de empatia do outro lado, tendo a afastar-me da pessoa. A empatia em qualquer relação é fundamental, então quando a pessoa sofre de medo de rejeição e abandono, a empatia, disponibilidade e escuta ativa são ferramentas que procuro ativamente. Não culpabilizo quem não as possui, mas também não sinto que a pessoa seja indicada para mim. Quando era mais nova tinha dificuldade em assumir que também cometia erros, em particular os emocionais, hoje em dia, acho que reconhecer e pedir desculpa, e acima de tudo perguntar, ouvir e ser consistente me ajuda a atenuar o sentimento de sofrimento e angústia.

 

3. Muitas vezes sentimos que não somos o suficiente quando temos uma doença mental diagnosticada. No teu Instagram falas sobre dar e dar até esmorecer e da falta de empatia e compreensão das pessoas. Tens conseguido dar a ti mesma compaixão, graça e espaço para o erro? O que significa para ti a frase da escritora Maya Angelou “Faz o melhor que puderes até saberes mais. Quando souberes mais, faz melhor” [tradução livre do inglês]?

Numa conversa com uma colega, naquilo que eu chamo o pico da minha doença (altura em que me senti mais doente ou incapaz de realizar tarefas), lembro-me de lhe dizer o quanto odiava ter esta doença, não conseguia retirar nada de bom dessa. Ela respondeu-me que tinha aprendido a ser mais empática. Com os anos tenho notado isso, que sou mais empática e que isso atrai empatia. Também noto, porém, que já não tenho a mesma disponibilidade emocional que tinha nos meus 20’s. Continuo a cometer alguns “erros” de dar sem receber quando gosto de forma intensa, e é algo que estou a trabalhar na terapia. O que antigamente me revoltava na falta de empatia e compreensão de outras pessoas, hoje em dia, tento desconstruir. A própria pessoa pode não estar bem, pode não ter disponibilidade emocional ou pode simplesmente não entender. Quem me mostra interesse em querer saber mais, eu partilho, quem me diz que não tem capacidade, eu não falo, e dependendo da relação acabo por afastar mais. Eu não sou a minha doença, mas ela faz parte dos meus dias bons e maus.

 

4. A psiquiatra suíça Elisabeth Kluber-Ross definiu cinco estádios de luto: negação, raiva, barganha/negociação, depressão e aceitação. Sentes que com o falecimento da tua mãe, passaste, em ordem ou aleatoriamente, por cada um destes estados de alma? Tens o hábito de acender uma vela em honra dela em cada cidade nova que visitas. É uma forma de a sentires presente a cada nova descoberta?

 

A minha mãe faleceu dois anos após um avc que a deixou paralisada e sem falar, acho que o meu processo de luto começou quando recebo uma chamada do trabalho da minha mãe a dizer que ela não tinha aparecido, estranho, porque ela nunca faltava e tinha o telemóvel desligado. Eu estava a estudar na Biblioteca Municipal de Coimbra e de repente entrar tudo numa espiral de chamadas. Eu estava em Portugal e ela no UK. Chamadas ao meu pai, amigos, conhecidos e finalmente à polícia. Eu tinha uma relação particular com a minha mãe, devido à doença mental dela, eu tinha-me afastado para sentir normalidade, e só falava com ela ao fim de semana. Realmente, tenho a ideia de achar estranho ela não ter ligado, e lembro-me de que tínhamos falado no fim de semana anterior, eu era finalista e entre palavras, eu disse que os meus padrinhos me vinham ver nesse dia, com as minhas primas e ela agradeceu, face à ausência dela.

Durante o período em que ela esteve doente senti uma dor profunda, de repente a minha mãe deixou de existir. Se eu tivesse com os óculos não me conhecia, ficava confusa e estressada, não se conseguia exprimir e estava presa na cabeça dela devido à paralisia. Quando ela faleceu, senti alívio. Estar vivo, não é meramente um ato do bater do coração e o ar que nos enche os pulmões, mas a dignidade de viver uma vida ativa, plena e saudável.

Quando viajo, e a minha imaginação me permite, fico a pensar que se o AVC tivesse corrido de outra maneira eu a podia levar de cadeira de rodas a passear, e às vezes perco-me nesse pensamento. O acender a vela começou com isso, ela era religiosa e é uma forma de a honrar e a levar a todos os sítios onde eu viajo, entre continentes distintos e diversos, ela de alguma forma também lá esteve comigo. Faço isto em todos os países e cidades que visito, mesmo em Portugal.

 

“Atualmente sei que quando estou mal, tenho pessoas que me abrem a porta”

 

5. Perdeste também a tua gata, que caraterizas como um ser puro que te salvava de ti mesma. Há um antes e depois de ficarmos sem um animal de estimação com que nos sentíamos em simbiose profunda?

A Nami foi o que eu chamaria a minha alma gémea, onde eu estava, ela estava. Era a mais fiel das companheiras, das turrinhas de amor, de abraços. Esteve sempre em todos os piores momentos da minha vida. Muitas vezes a perda ou o luto de um animal é desvalorizado, mas quando nos sentimos isolados e sozinhos, sabemos que eles estão ali, sem julgamentos e com amor e carinho para dar. Demorei muito tempo a assimilar a morte da minha mãe, sentia que ninguém me entendia e até hoje penso nas etapas que a minha mãe não viu. Eu a licenciar-me, a tornar-me mestre, os desafios no trabalho, os sonhos de ir para fora de Portugal, um dia me casar ou tiver um filho, e tudo que eu lhe queria retribuir. A Nami foi o meu chão, depositei nela todo o amor que podia, porque senti que mais ninguém me entendia e ela estava comigo sempre. De alguma forma, preenchia a lacuna da dor que eu sentia, e quando a perdi, o meu mundo parou. Muitas vezes sinto-me ingrata por não dar valor aos meus amigos e família, mas em todas estas situações, não houve nenhum momento em que não estivessem, mas eu sentia que tinha perdido a rede que mais precisava, a minha segurança e o meu lar. Atualmente sei que quando estou mal, tenho pessoas que me abrem a porta. Que me apoiam e que se preocupam, mas passei uma grande parte da vida a achar que era um fardo que só era tolerado.

“Com a idade tenho conseguido aprender a relativizar as situações”

 

6. Como lidas com os altos e baixos da condição borderline, em que pequenas mudanças na rotina te podem fazer sentir assoberbada e derrotada? É possível para ti parar pensamentos catastróficos antes de tentar recorrer a automutilação ou ter ideação suicida?

 

A minha salvação são as rotinas. Por natureza não sou muito aberta, em particular, ao sexo masculino, por medo. Nos piores momentos, choro no trabalho, torno-me mais reativa e impulsiva e fico indignada. A medicação e a terapia tornaram-se um outlet para isso, mas não impede que aconteça. Com a idade tenho conseguido aprender a relativizar as situações, mas ainda lido particularmente mal com duas. Relações amorosas e o sentir que não mereço ser amada e quando não consigo ser “perfeita” no trabalho. Com os anos, a minha doença fez-me sentir que eu era intolerável, que era demasiado e ninguém merecia ter que aturar “isto”, tive relações psicologicamente violentas e entrar num padrão de me apaixonar por pessoas emocionalmente indisponíveis. Depois parei por completo. Convenci-me que era melhor estar sozinha e que não podia ter o sonho de ser mãe. Isto é um dos fatores que mais me cria instabilidade e onde estou a tentar evoluir. A. Sentir que sou digna de coisas boas e amor e B. Aprender a confiar, apesar de sentir que as pessoas me querem fazer mal.

Por isso, dependendo da situação, lido de forma diferente. Ainda lido mal quando me sinto rejeitada, ainda tenho momentos de ideação suicida, ainda tenho impulsos de automutilação. Quando isso acontece, deixo-me respirar fundo, chorar e se possível sair de casa ou ligar a alguém. E sim, eu ligo para os meus amigos a chorar e deixo-os falar até acalmar ou adormecer.

 

“Quando algo ou alguém não nos faz sentir bem, é altura de mudar e afastar”

 

7. Escreves “Quando as coisas derem errado, as pessoas certas vão estar sempre lá, mesmo que eu desista de mi mesma” [tradução livre do inglês]. É algo em que ainda acreditas? Como foi para ti o primeiro trimestre de 2025?

2025 tem sido um desafio. A nível de trabalho existem muitas exigências e acabei num ciclo de trabalhar dias seguidos, ainda dou aulas em pós-laboral no ensino superior. Sinto que estou sempre a correr. Conheci uma pessoa que acabou por não me fazer bem e entrei num loop que me levou às urgências da psiquiatria no Hospital de São José, em Lisboa. Uma experiência horrível, e que se fosse o meu primeiro contato com a psiquiatria, nunca mais voltaria. Trabalho numa área desafiante e jamais eu, ou algum colega meu teria aquele comportamento agressivo com um/a utente. Creio que foi a primeira vez que senti uma sensação de humilhação no tratamento que recebi, como se fosse “a maluquinha”, à procura de atenção, como se naquele dia em particular me tivesse apetecido ir passear às urgências.

Fui a duas ilhas de Cabo Verde e senti que não estava verdadeiramente lá, um país lindo e eu presa na minha cabeça. Bebi caipirinhas de tamarindo, dancei na praia, fui ao Campo de Concentração do Tarrafal, comi comidas incríveis e entrei numa água quentinha, mas a minha cabeça estava presa na ansiedade e cansaço que estava a sentir. Não conseguia dormir e a minha pele está em ferida desde agosto do ano passado. Quando cheguei bati no fundo e tive de recomeçar um novo tratamento psicofármaco que está a resultar, mas continuo com a ansiedade e com os problemas na pele. Tive que me relembrar que quando algo ou alguém não nos faz sentir bem, é altura de mudar e afastar, especialmente se a comunicação não está a funcionar.

Os meus amigos e família, estando longe ou perto tiveram sempre tempo para mim durante este período e eu, como tanta gente, que se sente sozinha, senti uma imensa gratidão por ter pessoas que me dessem um abraço de apoio. Há situações quase cómicas em que peço a um amigo meu para me cantar o “soft kitty” do Big Bang Theory, mas mesmo com o apoio há dias em que sinto uma solidão e tristeza profunda, nem sempre me é fácil verbalizar em voz alta o que sinto, e pedir ajuda.

 

8. No Instagram destacas uma canção do músico Ren intitulada “Hi Ren” em que ele fala que dançamos com as sombras e somos seres humanos. Sentes que estás mais em paz com as tuas contradições, com a sensação de buraco na alma e de impotência que sentimos perante a Humanidade que nos cerca?

A quem ainda não ouviu o “Hi Ren” do Ren, aconselho vivamente que o faça. Nas referências culturais, encontro pouco com que me identifico. Em particular, destaco o episódio 3 da 1ª temporada de Modern Love com a Anne Hathaway e os desafios que uma pessoa com doença mental encara nas relações, sejam elas de amizade ou românticas. A segunda referência é Crazy Ex Girlfriend, que até hoje para mim é um gatilho, mas vou vendo em partes. Esta série demonstra de uma forma muito honesta como é receber e lidar com o diagnóstico de Borderline e os comportamentos associados. Por último, destaco também a série australiana Please Like Me, que para além de apresentar questões da comunidade LGBTQIA+, mostra a realidade de viver com uma mãe que sofre de uma depressão profunda.

A música do Ren apareceu-me um dia aleatoriamente no TikTok e fui ouvir a versão completa. Senti uma conexão imediata, de reconhecimento de que vou ser uma doente crónica a vida toda e que, mesmo nos dias bons existe sempre uma voz que abafo através da terapia e da medicação, mas que está lá. Sinto muitas vezes que sou uma impostora, que sou incapaz, que não mereço ter o trabalho que tenho e que sou menos que os outros. A música também fala muito em aprender a ser mais meiga, mais leve e isso tenho tentado controlar os impulsos de reatividade e deixar as pessoas que conheço menos se aproximarem mais, Contudo, nos dias mesmo maus fecho-me no meu mundo, para ter energia no dia seguinte para enfrentar o mundo real de novo.

 

“Quero contribuir para uma mudança positiva”

 

9. Escreveste que gostavas de ser diferente, paciente e amorosa como a tua mãe era. Ao manter as boas memórias vivas e ao imbuíres-te das qualidades que tanto amavas nela, dá-te força e coragem para continuares o teu caminho?

Sempre achei que herdei o melhor da minha mãe, mas também tenho medo de herdar o pior, e deixar que a depressão, ansiedade e borderline me consumam a vida toda, ao ponto em que perco o rumo. Não quero ser um padrão, uma repetição de um ciclo de violência e doença. Escolhi trabalhar na área social e de desenvolvimento porque sinto uma forte vontade de apoiar as pessoas a mudar a vida deles. Tal como adoro dar aulas, porque sinto que estou a devolver conhecimento e que tenho de ser paciente. No fundo quero contribuir para uma mudança positiva. Quando vim morar para Lisboa há 3 anos, nem abraços tolerava, odiava que me tocassem, e foi através de uma colega de trabalho que aprendi a deixar-me ser abraçada e a relaxar com o toque de pessoas que não me eram próximas naquele momento. Mesmo assim, ainda afasto as pessoas quando sinto que não estou a ser compreendida. Existe no fundo um medo exacerbado de dar amor e de sentir que fui rejeitada ou abandonada.

A minha mãe era bondosa, o amor que tenho pelos direitos humanos ganhei dela e das leituras que ela fazia. De a ver comprar comida a pessoas que andavam a pedir na rua, “comida nunca se nega a ninguém”, dizia ela e ia com a pessoa para essa mesma escolher o que queria. Preocupava-se imenso com as pessoas e o mundo à volta dela, e foi consumida por uma relação violenta e psicologicamente nunca recuperou.

 

“Sinto que tenho várias versões de mim”

 

10. És uma pessoa autossuficiente, fazes viagens sozinha e ultrapassaste o teu medo de mergulhar. Dirias que estás a tentar mudar a tua narrativa interna e a sentir-te mais digna de ter coisas boas e de amar e ser amada?

 

Sempre amei culturas e viagens, talvez por ter várias nacionalidades. Na adolescência apaixonei-me pela Argentina e pela Colômbia. Apaixonei-me pela Ucrânia e a Bielorrússia e pelos Balcãs. O meu sonho em criança era ser jornalista de guerra e agora em adulta. trabalho na área das Migrações. Desde pequena que fui curiosa, queria saber mais e queria ter uma voz ativa para a mudança. E sinto que tenho várias versões de mim.

A versão aventureira e curiosa que pega na mochila e vai sem medo. Que faz e prova e dá o salto. Que muda de país e de trabalho.

A versão que quer amar mas não sabe como, nem como pode ser saudável.

A versão que sai da cama às 7 da manhã para aproveitar o dia.

A versão que fica na cama e só chora.

Tenho o meu blogue porque para mim foi o outlet que encontrei para controlar emoções e de certa forma dizer às pessoas que não estão sozinhas. Em alguns posts sou mais positiva e outros mais negativa, é a realidade da doença. E na verdade, a vida é feita de altos e baixos, no meu caso com uma “especiaria” extra de desregulamento emocional. Nem sempre sinto que mereço estar cá, nem sempre sinto que sou digna, mas tento lutar contra isso com o meu espírito de aventureira e através do meu trabalho e acima de tudo, através de ser a melhor pessoa possível para as pessoas que me rodeiam e eu adoro.

 

Paula Cristina Gouveia

Entrevista a Mariana Laginha: Uma personalidade borderline

 

O título deste artigo alude à página de Instagram de Mariana Laginha, uma jovem artista plástica que foi diagnosticada com Perturbação de Personalidade Borderline (PPB). Mariana assumiu o controlo da sua narrativa e fundou um site onde outras pessoas com a mesma condição podem partilhar a sua história (https://www.livingafterborderline.com/).

Fomos falar com ela sobre como lida no dia-a-dia com esta perturbação, os preconceitos da população em geral, estratégias de autorregulação emocional e a importância de ter uma comunidade à sua volta.

 

1. Podemos considerar alguém com perturbação de personalidade borderline como uma tela em branco que se torna de identidade camaleónica para se adaptar a um novo grupo de amigos, relacionamento, trabalho, etc.?

 

Apenas posso falar por mim, e sim, no início, a partir da pré-adolescência, frequentemente me sentia alienada, isolada, incompreendida e, ao mesmo tempo, com muita resistência ao conflito e confronto, tornando-me uma pessoa que procura agradar aos outros, independentemente de quem sejam. Isso manifesta-se, sim, em comportamentos camaleónicos, dependendo de com quem estamos ou com quem passamos mais tempo. Por exemplo, sendo artista plástica – pintora, e olhando para trás, reparei que os meus trabalhos artísticos se alteraram no conceito, na forma, na escala, na técnica, consoante o parceiro com quem estivesse na altura.

Quanto a saltar de emprego em emprego, e como quem diz emprego, diz amizades, hobbies, interesses, opiniões, estará mais relacionado com a junção da impulsividade, fraca autoimagem e dificuldade em tomar decisões/compromissos.

 

“É importante cultivar a paciência e tolerância connosco mesmos”

 

2. O médico e escritor Gabor Maté designa como fantasmas famintos as raízes das dependências, sejam elas alimentares, de álcool ou drogas. Há uma sensação de vazio, de profunda lacuna. Como lidas com os teus gatilhos emocionais e impedes que se transformem em crises?

 

Confirmo que tenho uma personalidade aditiva, e nem sempre a tenho com atividades que me beneficiem. É bastante árduo o trabalho interior para enfrentar e preencher esse vazio, nós próprios. Após vários anos em terapia, começo a ter maior consciência sobre que pensamentos me podem dar gatilho, e, assim que me apercebo desse momento antes de uma crise, uso, como âncora, a música, as longas caminhadas, a escrita, a dança, socializar com pessoas seguras, empáticas, que me compreendem e acolhem, passar mais tempo na natureza.

Por outro lado, há vezes em que, por muito que nos esforcemos por sair do lodo, com todas estas técnicas e outras mais de autorregulação, é importante cultivar a paciência e tolerância connosco mesmos. Ver este momento difícil, diria até insuportável, como uma tempestade noturna no mar alto, que vai passar. Ter a força e o autocuidado para passar pela dificuldade até dias mais estáveis e funcionais.

 

3. Ao ler a tua história pessoal em que tiveste múltiplos estudos, trabalhos e interesses dirias que foste funcional até, de certa forma, em 2018, deixares de ser? Foi algo faseado enfrentares os teus demónios ou sentes que aconteceu tudo ao mesmo tempo?

 Diria que, desde muito cedo, aprendi a esconder a minha sombra e os meus demónios, e a aprender a andar sozinha emocionalmente. Desde os 8/9 anos de idade que tive pensamentos perturbadores com a morte, e inquietude sobre quem sou.

Resultou numa fuga constante, de estudos diferentes, empregos, interesses, hobbies, novas amizades a cada ano, países/contextos onde viver.

2018 foi apenas uma gota de água num poço já há muito a ser cheio. Apesar de me auto-mutilar há anos, nesse ano em particular, tentei a primeira tentativa suicida. Tenho uma escassa memória desse momento e dos tempos que se seguiram. Mas foi nesse momento (provavelmente o primeiro momento) em que familiares e alguns amigos se deram conta de que algo não estava bem comigo. Foi nesse ano que comecei a ir a diferentes psiquiatras, terapeutas e medicações.

 

4. O estigma ainda é uma realidade no que toca a saúde mental. Quais foram os preconceitos, os estereótipos ou ideais mais ridículas que já ouviste dizer sobre a perturbação de personalidade borderline?

 Já ouvi muitos comentários preconceituosos acerca de saúde mental em geral, especialmente no que toca à perturbação de personalidade narcisista, bipolaridade, autismo, por aí fora. Mas, no que toca à perturbação de personalidade borderline, o que mais tenho lido nas redes sociais, ou ouvido de doentes, testemunhos, a comentários de profissionais de saúde, tem sido que as pessoas que sofrem com PPB são manipuladoras, desonestas, de mau carácter e que não é possível terem relações amorosas e de amizade duradouras e estáveis.

 

“Esforço-me por utilizar a lógica para compreender o lado emocional e vice-versa”

 

5. Descobrir a nossa verdadeira identidade, para além das expetativas e de tentar agradar aos outros é sempre um desafio, mas no caso dos borderlines é ainda mais marcado. Em que etapa desta jornada te sentes e em que medida a aprovação dos outros é ainda essencial à tua autoperceção?

 Bem, esta pergunta tem uma resposta de uma moeda de dois lados. Se num dia, com muita terapia e trabalho interior, com a idade e experiência, dou menos importância ao que os outros pensam e consigo ser eu mesma em diferentes cenários, falar sem ter de pensar três vezes antes de me expressar, e sinto-me confortável no meu corpo. Por outro lado, num outro dia, dependendo de com quem estou, a dinâmica de grupo, o ambiente e contexto, e a narrativa interna que tem estado a acontecer anteriormente, posso sentir-me tensa, silenciosa, constrangedora, congelada, inquieta, desconfortável.

 

6. Quando se trata de autorregulação emocional e apaziguar a própria mente, quais os cuidados que tens para preservares a tua integridade corporal e paz de espírito?

 Primeiro, dou-me espaço e um lugar seguro e confortável onde possa estar como estou no momento. Segundo, esforço-me por utilizar a lógica para compreender o lado emocional e vice-versa, como um diálogo interno entre desconhecidos com opiniões muito diferentes entre si. É importante usar técnicas de respiração e relaxamento, para conseguir ter o distanciamento e frieza suficientes para poder observar a realidade e confirmar se o que está a acontecer é real ou imaginado/mal interpretado. Isto estende-se para o que se passa no exterior tanto como no interior.

 

7. A perturbação borderline pode ser confundida com a perturbação bipolar, mas as mudanças de humor costumam ser mais rápidas, voláteis e pronunciadas. No entanto, ambas as doenças podem ser vistas de forma pejorativa como viver no limite ou ter dois lados, respetivamente. De que forma te ensinaram a distinguir as duas e sentes na pele desinformação por parte do público em geral?

 Sendo a perturbação bipolar bastante mais conhecida, apesar de não ser conhecida a fundo, é frequente confundirem a PPB com a PB. Tenho ouvido, na vida pessoal e profissional, bastantes comentários preconceituosos e pejorativos em relação a qualquer pessoa que não aja em conformidade com os seus padrões normais de comportamento. Ou seja, é habitual a população etiquetar qualquer pessoa com uma doença mental, e usar isso como insulto, cuja camada é ainda mais obscura e violenta.

O que aprendi é que a PPB e a PB têm bastantes sintomas diferentes, mas têm alguma da sintomatologia em comum. É possível ver as diferenças no Manual DSM-5. [Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais].

 

“Decidi criar um site com toda essa informação, incluindo a minha própria história”.

 

8. O afeto e apoio das pessoas com condição semelhante é muito importante e tu fundaste uma página (https://www.livingafterborderline.com/) que é uma autêntica comunidade. Podes descrever um pouco o projeto?

 O projeto começou como uma necessidade de aprender mais e obter mais conhecimento sobre a perturbação, criar uma comunidade de pessoas como eu, resultando num menor sentimento de solidão e incompreensão por parte dos outros. Aí comecei uma conta de Instagram para contar a minha história, acabando por conhecer pessoas incríveis, na mesma luta que eu, cada uma na sua fase do caminho, e, para não perder as histórias de testemunhas e recursos bibliográficos, decidi criar um site com toda essa informação, incluindo a minha própria história.

A partir desta comunidade tive oportunidade de entrar em vários grupos de apoio para borderline e saúde mental em geral. Conheci pessoas com a minha perturbação pessoalmente pela primeira vez há poucos anos e são relações completamente diferentes, porque o que normalmente é tabu, para nós é o dia-a-dia, e torna-se possível conversar ou brincar sobre assuntos sérios e profundos de forma bastante natural.

 

“Espanto-me positiva ou negativamente muito facilmente com coisas aparentemente vulgares”

 

9. O teu site tem mensagens muito inspiradoras como “Um mau dia não é uma má vida”, “O que não podes fazer é desistir” e “A flor de lótus só desabrocha em águas lamacentas”. Que frases/métodos te ajudaram mais no processo de não só aceitar o diagnóstico, mas continuar em frente?

 

Uma frase que se colou à minha memória no segundo ano de Universidade, num pograma Erasmus nos Países Baixos, e até hoje me lembro frequentemente, é de uma professora de Pintura: “Erra. Erra outra vez. Erra melhor”. Ou seja, tenta, e vais errar, mas tenta de novo, e irás aprender algo novo e errarás melhor. E assim sucessivamente, a vida toda.

 

10. Por vezes as pessoas são reduzidas à sua doença ou comorbidades, mas ninguém é uma só coisa. O que gostavas que, para encerrar esta entrevista, soubessem sobre ti?

 

 Não sei bem. Talvez diria que sinto tudo muito intensamente, conseguindo ficar inquieta com o barulho de talheres num restaurante, a um cheiro nos transportes que me deixa enjoada e enclausurada, uma luz intensa refletida ou mesmo do próprio dia.

Sinto que estou em remissão de sintomas, o que significa que me sinto muito mais estável, funcional e grata do que há sete anos atrás e que os períodos calmos são mais duradouros do que os picos altos e baixos.

Adoro caminhar na Natureza, fotografar, dançar a música eletrónica com amigos, ou dançar a qualquer tipo e música sozinha, desenhar e pintar, sou muito observadora e espanto-me positiva ou negativamente muito facilmente com coisas aparentemente vulgares.

 

Paula Cristina Gouveia

Dia Mundial da Doença de Parkinson assinala-se hoje

No dia 11 de abril comemora-se o Dia Mundial da Doença de Parkinson e convidamos todos a juntarem-se a esta causa “por uma melhor forma de tratar”.

A Doença de Parkinson é uma doença neurológica que afeta principalmente o movimento, provocando sintomas como tremores e lentidão de movimentos. No entanto, o que muitos desconhecem é que esta doença também pode causar cansaço, sintomas depressivos, alterações do sono, dificuldades na fala, dores, entre outros sintomas que afetam significativamente o dia a dia e a qualidade de vida das pessoas.

Embora ainda não exista uma cura para a Doença de Parkinson, estão disponíveis vários tratamentos que ajudam a controlar os sintomas.

Nos últimos anos, tem vindo a aumentar a evidência científica que suporta os benefícios de outros tratamentos como a fisioterapia, a terapia da fala, a nutrição, a psicologia, a terapia ocupacional e os cuidados de enfermagem, que podem fazer uma diferença importante na vida das pessoas com Parkinson.

Por isso, considero que chegou o momento de repensarmos a forma como tratamos a Doença.

Esta nova abordagem vai além da simples toma de medicamentos ou seguimento em consultas médicas, e defende uma conjugação de “tratamentos” que incluem:

  1. Utilização de medicamentos eficazes, ajustados à fase da doença e às necessidades específicas de cada doente.
  2. Integração de terapias não farmacológicas, como a fisioterapia, a terapia da fala, a terapia ocupacional, a nutrição, a psicologia e a enfermagem, de acordo com os problemas clínicos a prevenir ou tratar.
  3. Acesso a equipas de saúde multidisciplinares, onde diferentes profissionais, médicos, enfermeiros, terapeutas, nutricionistas, psicólogos, trabalham em conjunto para oferecer respostas mais completas e coordenadas.
  4. Promoção do exercício físico, adaptado e orientado, como uma verdadeira ferramenta terapêutica.
  5. Estimulação cognitiva e socialização, essenciais para preservar as capacidades mentais e combater o isolamento.
  6. Educação e informação para doentes, cuidadores e famílias, promovendo a autonomia e uma melhor gestão da doença.
  7. Aproveitamento das novas tecnologias, como sensores de movimento, telemedicina e inteligência artificial, que permitem monitorizar sintomas à distância e ajustar os cuidados de forma mais personalizada.

Trata-se de mudar a forma como olhamos para a Doença de Parkinson. Em vez de nos centrarmos apenas nos medicamentos, devemos considerar tudo aquilo que possa contribuir para melhorar a vida dos doentes e das suas famílias.

A Doença de Parkinson continua a ser um grande desafio. Mas com uma abordagem mais completa, multidisciplinar e verdadeiramente centrada na pessoa, é possível melhorar significativamente a vida de quem convive com esta doença. 

Sobre o CNS

O CNS – Campus Neurológico é uma rede de unidades de saúde de referência (CNS Torres Vedras, CNS Lisboa e CNS Braga) dedicada ao diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças neurológicas, como a doença de Parkinson, doença de Alzheimer, acidentes vasculares cerebrais (AVC), dores de cabeça, esclerose múltipla e alterações do sono, entre outras.

O CNS integra equipas multidisciplinares altamente especializadas, assegurando um acompanhamento personalizado e baseado na melhor evidência clínica disponível. Além da prestação de cuidados de saúde diferenciados, o CNS promove investigação clínica e formação de profissionais de saúde, colaborando ativamente com instituições académicas e científicas nacionais e internacionais.

Professor Doutor Joaquim Ferreira

Projeto Causa Nobre em Portugal “Nasceu o desejo de dar voz às pessoas que vivem o autismo no seu dia a dia”

 

Igor Bueno e Ana Carolina Rodrigues são os fundadores do projeto Causa Nobre, que tem como missão a educação e consciencialização com ênfase no autismo, através de diversos recursos. Naturais do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, estão em passagem por Portugal para divulgar o seu trabalho, que inclui  a certificação com o selo azul às empresas que se comprometam com a inclusão.

Fomos entrevistá-los para saber mais sobre como surgiu a Causa Nobre, o que os move e o que esperam para o futuro.

 

1. Qual foi o primeiro contacto que tiveram com a PEA (Perturbação do Espectro Autista)? Têm familiares com essa condição ou vocês mesmos são autistas?

Nosso primeiro contato com o autismo aconteceu por meio do nosso trabalho como comunicadores. Não somos autistas nem pais de autistas, mas foi convivendo com muitas famílias e escutando suas histórias que decidimos nos aprofundar no tema, por meio de estudos, entrevistas, formações e vivências em diferentes contextos. Isso nos levou a nos tornarmos pesquisadores e autores sobre o assunto, especialmente atentos à falta de informação acessível e sensível.

A partir dessa escuta e observação, nasceu o desejo de dar voz às pessoas que vivem o autismo no seu dia a dia, ampliando a consciência social e promovendo uma cultura de inclusão real.

2. Definem a vossa empresa como um negócio social. É comum esse tipo de empreendimentos no Brasil? Quais foram as fases mais marcantes na edificação da Causa Nobre?

Sim, a Causa Nobre é um negócio social, criado com o propósito de desenvolver iniciativas que gerem impacto humano e transformação social. No Brasil, esse modelo de atuação ainda é novo, mas vem ganhando força. O foco está em equilibrar propósito e profissionalismo, reinvestindo recursos para fortalecer a causa.

As fases mais marcantes da Causa Nobre foram:

A criação do Diário Azul, o maior projeto literário sobre autismo do Sul do Brasil;

A realização de centenas de palestras, seminários e formações gratuitas em escolas, empresas, igrejas e instituições religiosas em geral;

A produção de conteúdos digitais e impressos sobre inclusão e desenvolvimento humano;

A chegada em Portugal, com o Diário Azul Portugal e o documentário “Uma Jornada Além do Autismo”, expandindo nossa atuação para a CPLP.

“Especializamo-nos em escutar, traduzir e comunicar temas complexos de forma acessível, empática e transformadora”

 

3. Qual foi a vossa formação para conseguirem não só desenvolver projetos sociais mas incidirem sobre a PEA, uma condição tão complexa e por vezes tão incompreendida?

Somos jornalistas e comunicadores por formação, com pós-graduação em Autismo, Atendimento Educacional Especializado e Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Além disso, somos autores de mais de 10 livros, sendo quatro deles sobre o autismo, publicados dentro do projeto Diário Azul.

Especializamo-nos em escutar, traduzir e comunicar temas complexos de forma acessível, empática e transformadora.

 

4. Como tiveram a ideia de desenvolver o Diário Azul e qual é a simbologia desta cor para vocês?

O Diário Azul nasceu como um projeto literário que reúne histórias de pessoas reais dentro do espectro autista — famílias, profissionais, educadores e indivíduos neurodivergentes. Queríamos um formato que tocasse o coração, levasse informação de forma empática e desse protagonismo às vozes que mais precisam ser ouvidas.

O azul, tradicionalmente associado ao autismo, representa para nós a profundidade da mente humana, a sensibilidade e a serenidade necessárias para compreendê-la. É também uma cor que remete à escuta e à empatia — elementos centrais do nosso trabalho.

 

“O nosso método é baseado em sensibilização, linguagem acessível e aplicação prática. Mais do que oferecer teorias, levamos vivências e experiências que aproximam as pessoas da realidade do autismo”

 

5. É a terceira vez que estão em Portugal em representação da Causa Nobre. Porque é que é importante para vocês virem ao nosso país falar desta temática e apresentar os vossos produtos?

Portugal representa, para nós, uma extensão natural da nossa missão. Estar aqui pela terceira vez é a confirmação de que a inclusão é uma pauta global, e que juntos podemos somar experiências, culturas e esforços para transformar realidades.

Nesta edição, participaremos do Congresso Europeu de Autismo em Lisboa, e circularemos por diversas cidades com palestras voluntárias, rodas de conversa, encontros com instituições de ensino, empresas e autoridades públicas.

O nosso propósito é construir pontes — por isso o nome “Causa Nobre”. E Portugal tem nos acolhido com generosidade, o que reforça nosso compromisso com a partilha de conhecimento e a escuta ativa.

 

6. Como se treina alguém quando se trata do autismo e que resultados têm alcançado com as vossas formações e seminários? É muito diferente o público em geral do mundo corporativo?

 

O nosso método é baseado em sensibilização, linguagem acessível e aplicação prática. Mais do que oferecer teorias, levamos vivências e experiências que aproximam as pessoas da realidade do autismo.

Formamos educadores, gestores, colaboradores, agentes públicos e religiosos, sempre respeitando o contexto de cada instituição. O retorno que recebemos é altamente positivo: relatos de mudança de postura, maior acolhimento, e criação de práticas mais inclusivas.

O mundo corporativo tende a buscar mais objetividade, enquanto o público em geral se conecta mais pela emoção. Em ambos os casos, buscamos equilibrar coração e razão — algo que tem feito a diferença.

 

“O programa Espectro de Estrelas nasceu para mostrar que a diversidade cognitiva é uma força, não uma limitação”

 

7. O vosso programa “Espectro de Estrelas” procura inserir pessoas autistas no mercado de trabalho. Quais são, na vossa opinião, as competências mais valorizadas no mercado de trabalho, independentemente de se ter ou não uma perturbação de desenvolvimento e o que podem trazer os neurodivergentes de especial a esta equação?

Acreditamos que o futuro do trabalho valoriza competências humanas: ética, criatividade, comprometimento, foco, pensamento fora da caixa. Essas competências estão presentes em muitas pessoas dentro do espectro, embora nem sempre sejam compreendidas.

O programa Espectro de Estrelas nasceu para mostrar que a diversidade cognitiva é uma força, não uma limitação. Com o suporte certo, pessoas autistas podem inovar, produzir e transformar ambientes de trabalho, trazendo perspectivas únicas e soluções originais.

 

8. Quais são as cidades portuguesas por onde vão passar?

A nossa agenda inclui as seguintes cidades:

Lisboa – Participação no Congresso Europeu de Autismo, em abril.

Porto

Vila Nova de Gaia

Braga

Matosinhos

Maia

Leiria

Oeiras

E outras localidades que ainda estão sendo incluídas mediante convites.

Estamos com agenda aberta e flexível, e convidamos escolas, instituições, empresas e igrejas/religiões a nos contactarem para agendarmos palestras voluntárias ou gravações de histórias para nosso documentário.

9. Estão a produzir conteúdos multiplataforma como o documentário “Diário Azul Portugal: Uma jornada além do autismo”. Numa antevisão, podem dizer-nos qual é o objetivo e direção desse projeto?

Este documentário busca registrar histórias reais de pessoas ligadas ao autismo em Portugal — famílias, profissionais, educadores, instituições. O nosso objetivo é dar visibilidade, promover empatia e mostrar como diferentes realidades se conectam por meio da inclusão.

Queremos que o documentário seja uma ferramenta educativa, acessível e sensível, capaz de tocar mentes e corações. E mais: queremos convidar quem quiser contar sua história a participar — basta nos contactar.

 

10. Começaram a Causa Nobre em Canoas, no Rio Grande do Sul e foram-se ampliando a partir daí para outros estados brasileiros e Portugal. São considerados uma referência no autismo no Sul do Brasil. O que falta ainda fazer para continuar a ter impacto em diversas causas? Quais são as vossas metas a curto, médio e longo prazo?

Temos muito orgulho da caminhada da Causa Nobre. Mas sabemos que o desafio da inclusão é contínuo. Falta ainda ampliar o acesso ao conhecimento, fortalecer redes de apoio e conscientizar mais pessoas.

As nossas metas são:

Curto prazo: concluir as gravações do documentário em Portugal e realizar mais de 30 ações gratuitas pelo país;

Médio prazo: publicar o Diário Azul Portugal com acesso gratuito para todos os países da CPLP;

Longo prazo: levar nossos projetos a mais países de língua portuguesa, impactando comunidades onde a informação sobre o autismo ainda é escassa.

Acreditamos que contar histórias transforma o mundo. E é isso que continuaremos a fazer.

 

Paula Cristina Gouveia

Entrevista Movimento de Inclusão Efetiva “Todas as crianças devem ter um igual nível de oportunidades para que possam viver em sociedade, em toda a sua plenitude”

 

Muito se fala de integração nas escolas, mas para um conjunto de pais de crianças com necessidades especiais a inclusão está longe de ser efetiva. Fomos entrevistar Lourenço Santos, representante do movimento com o mesmo nome, que nos fez refletir no muito que ainda deve ser feito para proteger estas crianças e jovens e construir um mundo mais justo e igualitário.

 

1. Como se originou este movimento que visa na prática uma inclusão funcional, equitativa e operacional de crianças e jovens com necessidades especiais, como previsto na lei?

R: O Movimento por uma Inclusão Efetiva surgiu em 2022, por um conjunto de pais de crianças com necessidades educativas especiais que se deparam diariamente com uma educação que ainda está longe de ser efetivamente inclusiva e que apresenta muitas lacunas na operacionalização do que está preconizado na lei. Por se tratar de uma minoria na sociedade, com todas as suas especificidades, estes pais uniram-se para dar voz às necessidades de todas as crianças, promover a sua inclusão na comunidade escolar e lutar pela efetivação dos seus direitos.

 

“A amplitude de necessidades destas crianças e jovens é tão grande e diversificada, que o rácio não pode ser definido apenas com base em números”

 

2. Os dados apontam para 90000 crianças e jovens com necessidades especiais, o que pode ser considerado uma minoria. Mas tendo em vista que cada vida conta, como explicar a falta de assistentes operacionais e de técnicos especializados nas escolas? 

R: Efetivamente esta é uma realidade que todos conhecemos e não há nada que justifique a falta de equidade nas escolas e a discriminação que existe.

Se por um lado, o rácio de assistentes operacionais tem que ser rapidamente revisto e o que for estipulado tem que ter em conta não só o número de crianças e jovens com necessidades especiais, mas também as suas especificidades, o seu grau de autonomia e o apoio direto e diário necessário. A amplitude de necessidades destas crianças e jovens é tão grande e diversificada, que o rácio não pode ser definido apenas com base em números. E este aspeto claramente foi negligenciado durante estes anos. Esta situação tem vindo a agravar pelo desgaste físico e emocional destes profissionais, originando períodos de ausência prolongada por doença, e os recursos que já eram reduzidos tornam-se escassos.

Relativamente à falta de técnicos especializados, com a delegação de competências e sem uma ação concertada da comunidade escolar, em todas a sua transversalidade, estamos, por um lado, perante uma gestão pouco eficaz dos recursos existentes e, por outro lado uma sobrecarga de alguns destes técnicos com processos administrativos e/ou burocráticos que não aportam valor direto ao desenvolvimento e apoio das crianças.

É certo que é necessário contratar mais recursos, sejam eles assistentes operacionais ou técnicos especializados, no entanto, uma gestão eficaz dos recursos que existem, formação e acompanhamento no terreno e revisão crítica sobre rácios, processos e procedimentos que envolvem estes profissionais é fundamental.

 

   3. A violência para com este tipo de crianças tem sido noticiada com frequência, bem como discriminação e negligência (1 em 2 crianças). Só integração não basta, é preciso haver planos de inserção que sejam não somente elaborados, mas também cumpridos?

R: Integração é, de facto, a palavra que melhor representa o que se passa nas escolas, quando devia ser inclusão.

Não podemos continuar a permitir que continuem a haver casos de discriminação e negligência, pois estamos a colocar em causa, uma e outra vez, a dignidade destas crianças, a comprometer o futuro das mesmas e a comprometer convenções como a de Salamanca que promove a educação inclusiva, que reconhece que as diferenças humanas são normais, entre outras.

É necessário que efetivamente sejam criados planos de inserção, de forma a que a própria escola disponha de mecanismos de adaptação a cada criança, adaptando a aprendizagem às necessidades de cada criança, planos estes que não podem só ser feitos, têm também que serem cumpridos.

Precisa-se urgentemente de formação, nomeadamente formação cívica, além de formação profissional para todos os intervenientes na educação, para que possamos todos “remar no mesmo sentido”, com o objetivo de incluirmos todos, de respeitarmos a dignidade de todos e de darmos as mesmas oportunidades a todas as crianças.

 

“Temos muitos testemunhos de situações que são impensáveis nos dias que correm e é perturbador”

 

4. Qual tem sido a abertura política nacional ao vosso movimento? Sentem que pode haver sinais de mudança?

R: O MIE teve a oportunidade de reunir com a maioria dos partidos políticos e todos têm conhecimento do que se passa nas escolas e das dificuldades que as crianças e jovens com necessidades especiais encontram na comunidade escolar e temos verificado que alguns partidos têm apresentado propostas que vão de encontro à resolução de alguns dos problemas.

No entanto, para que a(s) mudança(s) aconteça(m) é necessário que o Ministério da Educação, conheça a realidade das escolas portuguesas no que diz respeito à inclusão – seja realizado o diagnóstico, de forma objetiva e transparente; faça o devido enquadramento do mesmo no Dec. Lei 54/2018, atual Lei 16/2019 – monitorização da sua implementação nas escolas; e esclareça, retifique ou complemente o que se encontra incompleto ou desenquadrado na legislação. Na realidade, que o Ministério da Educação cumpra o que está estipulado em decreto e que tem sido negligenciado. Não obstante, pela complexidade do próprio Decreto ao partir do pressuposto que o Ministério da Educação, o Instituto da Segurança Social e o Ministério da Saúde trabalham de forma cooperante, cooperativa e ágil, esta relação tem de ser reavaliada à luz da realidade em Portugal.

Ao Governo exigimos que a legislação seja cumprida, tal como nos exigem a nós cidadãos. É da responsabilidade de todos os partidos, em específico e no geral, assegurar que a Educação Inclusiva é mais do que um chavão é uma realidade nas nossas escolas.

 

5 . Entretanto receberam muitas queixas de maus-tratos e bullying, casos que devem ser sempre denunciados, e que vão levar ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Quais são as vossas expectativas ao tomarem esta ação?

R: Esta decisão de levarmos um conjunto de testemunhos ao Tribunal Europeu, resultou do facto de termos recorrido a todas as entidades com responsabilidade, existentes em Portugal, e vermos que em todas elas nunca foi dada muita importância a este tema. É o Estado que tem a responsabilidade de assegurar um dos pilares da constituição que é a Educação. É este mesmo Estado que tem a responsabilidade de fazer com que a Educação seja equitativa, e seja acessível a todas as crianças independente das suas características.

Temos muitos testemunhos de situações que são impensáveis nos dias que correm e é perturbador que, nomeadamente, os políticos que têm responsabilidade e capacidade para alterar o que está mal não o façam e preocupa-nos que não o façam por falta de vontade. Este tema, infelizmente, não está no topo da agenda, nem dos políticos, nem da comunicação social.

 

6. Para as mães e pais que têm filhos agressores, que palavras dirigiriam? Como educar para a diferença, para a empatia e para a humanização?

R: Educar é algo complexo e nada está certo nem errado, no entanto aquilo que consideramos importante são os valores como a empatia e o respeito, e será importante que todos os Pais ensinem pelo exemplo, devemos respeitar todos da mesma forma, porque todos nós somos diferentes, tenhamos ou não efetivas diferenças. Cada situação tem características e variáveis próprias e, como tal, temos que olhar para as crianças que sofrem de bullying mas também para os agressores.

A escola, e a sociedade, tem que compreender o enquadramento das situações, seja o que despoleta os comportamentos e as reações agressivas como também ter estratégias e mecanismos que evitem a ocorrência desses mesmos atos, e a ocorrerem, terem definidos planos de ação/intervenção pós-crise.

7. Fala-se de ensino com acessibilidade e flexibilidade, mas a verdade é que este ainda é muito formatado e em série. Quando se poderá valorizar mais as capacidades únicas que cada criança tem e menos o que por norma deverá assimilar?

R: A igualdade e a equidade de oportunidades para estas crianças e jovens e a valorização das suas capacidades em detrimento do que é normativo só será possível com a alteração de mentalidades.

Desde a mentalidade dos profissionais da educação, com ações de sensibilização e formação, avaliações das suas apetências ao nível das soft-skills para estarem e respeitarem todas as crianças, como a iniciativas que devolvam e fomentem os princípios do respeito e da empatia para com quem nos rodeia direcionadas às várias faixas etárias e enquadramentos profissionais e sociais.

A par da monitorização da legislação sobre a Educação Inclusiva, o desenvolvimento de iniciativas que promovam a alteração de mentalidades, são as duas áreas de intervenção prioritárias para um ensino inclusivo de qualidade.

 

8. Segundo a Convenção dos Direitos da Criança devem ser removidos obstáculos para que as crianças com qualquer tipo de deficiência possam ter a melhor vida possível em sociedade, ser independentes a participar ativamente na comunidade. É utópico pensar que isso possa ser uma realidade para a maioria ou todas as crianças com necessidades educativas especiais?

R: Numa sociedade que se diz desenvolvida, não deveria haver necessidade sequer, de ratificar uma convenção para garantir que as crianças com qualquer tipo de deficiência possam ter a melhor vida possível em sociedade e que tenham a oportunidade de ser um cidadão ativo, como qualquer outro.

Para nós, enquanto Movimento e enquanto Pais, o que seria esperado era haver uma efetiva inclusão. Uma sociedade onde todas as crianças, independentemente da sua condição, se sentissem verdadeiramente integradas, sem qualquer reserva. Todas as crianças devem ter um igual nível de oportunidades para que possam viver em sociedade, em toda a sua plenitude, e serem os adultos mais ativos e autónomos possíveis e esse processo começa na Escola.

 

9. Segundo a mesma Convenção, a criança tem direito à segurança e proteção contra a violência e negligência. Quando vemos estes direitos serem diariamente desrespeitados seja no âmbito privado ou público, que ações podemos tomar enquanto cidadãos para tentar combater este tipo de situações?

R: Enquanto cidadãos, o que podemos e devemos fazer é denunciar, casos de negligência, discriminação e violência contra crianças, tenham ou não algum tipo de deficiência são perturbadores e intoleráveis. Quando estes deveres não são respeitados estamos a pôr em causa a dignidade das crianças e estamos a comprometer o seu normal desenvolvimento e o seu futuro. Estes atos, repetidos uma e outra vez, estão a comprometer também a saúde mental de todas estas crianças e dos seus pais.

A sociedade não pode nem deve assistir impávida a todas estas situações e não reagir, que tipo de pessoas somos nós se continuarmos a permitir este tipo de discriminação, de indiferença perante tudo o que acontece? Há uma falta de empatia e de sensibilização por parte de grande parte da sociedade. Está na hora de se começarem a mudar mentalidades.

 

10. A união faz a força e têm-se organizado para expandir e divulgar cada vez mais as causas que defendem. Quais são os vossos objetivos mais imediatos e a longo prazo

R: Os objetivos do MIE no imediato é trazer para a ordem do dia a Não Inclusão que existe nas Escolas e pressionar o Ministério da Educação e o Governo para a urgência na monitorização da legislação que está subjacente, para que possam ser tomadas medidas corretivas e/ou complementares, com o devido enquadramento legal, que permitam melhorar a resposta educativa das crianças e jovens com necessidades especiais.

Ao longo prazo, pretendemos promover iniciativas que fomentem a alteração de mentalidades da nossa sociedade e que a inclusão passe a ser uma preocupação de todos os cidadãos e não só de quem tem de lidar diariamente com crianças, jovens e adultos com necessidades especiais.

 

Paula Cristina Gouveia