Mutismo Seletivo, uma história real

 

Salomé Castro é uma mãe que gere a página de Instagram ms_ mutismoseletivo (Meu Sol Mutismo Seletivo) onde partilha informações sobre a condição que acomete o seu filho, Martim, de 6 anos de idade.

Fomos falar com ela para saber mais sobre o mutismo seletivo e  sobre o Martim.

“Quero apenas que ele seja um excelente ser humano, capaz de aprofundar as suas competências, sem limitações que o impeçam de se amar a si mesmo”.

 

1_ Como foi o parto e o desenvolvimento inicial do seu filho?

A gravidez do Martim foi planeada e correu lindamente. Foi um parto por cesariana porque ele estava numa posição sentada, o que inviabilizou o parto vaginal. O desenvolvimento dele, quer no útero, quer após o parto sempre foi dentro dos parâmetros normais.

2_ Com que idade percebeu que ele tinha um problema?

O Martim vivenciou o COVID-19 numa fase muito precoce, previamente à sua entrada na pré-escola. Assim, uma maior convivência com pessoas fora do nosso núcleo familiar só se verificou quando ele entrou para a pré-escola, com 3 anos de idade. Foi nessa fase que o Mutismo Seletivo se manifestou.

Ele não falava com os colegas, nem com as educadoras, e manifestava rigidez corporal e inexpressividade. Paralelamente, começou a fazer retenções urinárias porque a incapacidade de se expressar o impedia de pedir para ir ao WC. Esta situação obrigou a sucessivos internamentos hospitalares, onde tinha de ser algaliado… o que resultou numa experiência altamente traumática. Depois de descartadas todas as patologias físicas que podiam justificar essas retenções urinárias, tudo apontava para uma causa de origem psicológica.

A primeira vez que ouvi falar de Mutismo Seletivo foi quando a educadora do Martim me falou dessa possibilidade. Na sequência do seu alerta, consultei um pedopsiquiatra que, após alguns meses de acompanhamento, formalizou o diagnóstico de Mutismo Seletivo.

3_ Para quem não conhece, o que é o mutismo seletivo? Quais são os sintomas que foram identificados desde logo na sua criança?

O Mutismo Seletivo é um transtorno de ansiedade infantil em que a criança é incapaz de falar em alguns ambientes e com algumas pessoas. Regra geral, a criança fala normalmente em casa ou quando está sozinha com pessoas próximas, mas não consegue falar noutros ambientes sociais como a escola, em público ou em reuniões de família. O Martim, por exemplo, é uma criança que desde cedo se expressa verbalmente com grande fluência de vocabulário e que, como se costuma dizer, “fala pelos cotovelos”. Mas apenas em casa e com a família mais próxima.

A criança mutista sente que não consegue falar e esta incapacidade gera nela uma angústia tremenda. Independentemente da situação, mesmo com dor, ela não comunica. Por exemplo, uma situação que espantou os médicos foi o facto de o Martim ao ser algaliado — um procedimento doloroso e que motiva sempre muito choro e berros das crianças — não ter emitido um único som. As lágrimas caíam-lhe, ele tinha o rosto todo vermelho, mas estava inexpressivo e em absoluto silêncio; uma experiência muito violenta para ele e para mim.

Muitas vezes, o Mutismo é confundido com timidez, dificuldade de adaptação a um ambiente… mas é fundamental que as pessoas percebam que, na realidade, é muito mais do que isso.

Regra geral, o Mutismo Seletivo ocorre entre os 3 e 6 anos de idade e os sintomas podem variar de acordo com cada criança. Na sua génese é a incapacidade de as crianças se libertarem de uma prisão de silêncio. Elas sabem falar, elas querem falar, mas não conseguem. Não têm qualquer atraso cognitivo, mas há um bloqueio que as domina por completo e que pode atrapalhar bastante a sua qualidade de vida e o seu desempenho escolar. Além de lhes causar grande sofrimento, provoca dificuldade de interação social (que é essencial para o seu desenvolvimento) e compromete a sua autoestima.

4_ Como tem sido a evolução do seu filho desde que foi diagnosticado com essa condição?

O Mutismo Seletivo é um transtorno relativamente raro e ainda se desconhecem as causas, embora os especialistas acreditem que poderá ser motivado por uma componente genética a par de questões ambientais. O certo é que é muito importante ter um diagnóstico precoce e, felizmente, o meu filho foi diagnosticado bastante cedo. Está diagnosticado há cerca de três anos e a evolução tem sido progressiva, mas sólida. Creio que ele terá sempre uma componente de ansiedade associada à sua personalidade, porém, atualmente, ele interage com os seus pares, com os adultos integrados nas suas atividades diárias e regulares, com a família alargada. Ainda não fala com pessoas que acabou de conhecer ou que não vê com regularidade, mas há no seu comportamento geral uma clara descontração. É um caminho de superação a longo prazo, mas estou muito satisfeita com a evolução do meu filho.

5_ Que terapias está a fazer o seu filho atualmente?

Após o diagnóstico, o meu filho começou por fazer terapia sensorial, a par de acompanhamento em pedopsiquiatra. Terminada a terapia sensorial, iniciou psicoterapia com uma pedopsicóloga — sessões que mantém semanalmente.

Mais recentemente, quando completou 6 anos, iniciou também medicação, por indicação da pedopsiquiatra. A medicação visa a redução da ansiedade para que ele esteja mais recetivo a experienciar novos desafios, com vista a promover um reforço positivo que incentive o seu comportamento verbal e as habilidades de interação social, melhorando assim a sua autoestima.

6_ Quais são os passatempos ou áreas de interesse que ele revela ter?

O meu filho, como a maioria das crianças mutistas, têm uma inteligência e sensibilidade acima da média. Adora fazer puzzles, desenhar, ver TV, andar de patins, correr, mexer na terra, saltar nas poças de água… brincar! Iniciou agora o ensino básico e tem toda uma vida pela frente para escolher as áreas de interesse que o motivarão e realizarão. Enquanto mãe, quero apenas que ele seja um excelente ser humano, capaz de aprofundar as suas competências, sem limitações que o impeçam de se amar a si mesmo, de estabelecer relações sociais saudáveis e de ser feliz.

7_ Quais são as suas expetativas para o futuro?

As minhas expetativas são as mais otimistas. Sei que a ansiedade do meu filho estará sempre lá, mas também sei que ele está muito bem acompanhado e que aprenderá, passo a passo no seu crescimento e evolução, as melhores estratégias para lidar com ela.

Em relação ao Mutismo Seletivo, gostaria que fosse cada vez mais do conhecimento geral, para que mais crianças mutistas possam ser corretamente diagnosticadas e possam ter o acompanhamento precoce de que precisam e que merecem. Gostava que o Mutismo Seletivo fosse percecionado por aquilo que é: um transtorno de ansiedade que provoca um enormíssimo sofrimento a quem dele padece — mas que pode ser ultrapassado! Com consciencialização. Sem estigmas.

 

Paula Gouveia